28.11.12

O ambiente humano

por Marina Silva


O Brasil passou a última semana de janeiro vendo escombros em reportagens televisivas sobre o resgate das vítimas do desabamento dos três prédios no centro da cidade do Rio de Janeiro. Além de sofrermos com as famílias e torcermos por um final feliz para cada espera, perguntamos, em escala nacional, qual seria a causa da tragédia. Aos poucos a causa foi ficando clara, pois nenhum fenômeno natural estava em sua raiz. Não foi desabamento por chuvas nem movimento de terras subterrâneas. O colapso da estrutura de um dos prédios, provocado por falha humana, era a explicação.

No mesmo período vimos outras imagens de escombros. Dessa vez, nas notícias sobre a ação do governo do estado de São Paulo na desocupação de áreas pertencentes à massa falida da empresa do Grupo Naji Nahas, em Pinheirinho, São José dos Campos. Seis mil pessoas foram desalojadas pela polícia. Máquinas destruíram casas sem que seus moradores pudessem retirar delas um garfo sequer, deixando atrás de si destruição, desolamento, pedaços estraçalhados de bens. De novo a causa não foi ventania, furacão ou outra razão natural, mas a atuação de instituições oficiais.
De tais escombros se eleva uma mensagem, uma reflexão. O Salmo 115.16 diz que Deus nos deu este planeta. No-lo deu pleno de vida (Gn 1.22) e de recursos para satisfazer nossas necessidades (Gn 1.29-30) e encarregou-nos de cuidar dele (Gn 2.15). Fez-nos corpo e espírito (Gn 2.7), portanto, com capacidade criativa, que nos permite criar sobre e com a criação. Assim, temos no planeta o ambiente natural e aquele que brotou dos artifícios humanos. Estes os cientistas chamam de cultura material. Quanto a eles, temos a seguinte recomendação: “Quando edificares uma casa nova, farás um parapeito, no eirado, para que não ponhas culpa de sangue na tua casa, se alguém de algum modo cair dela” (Dt 22.8).
Os primeiros escombros revelam nosso pouco cuidado com o ambiente que produzimos, com as normas técnicas, com a segurança, com a durabilidade do que fazemos. Os segundos, denunciam o pouco cuidado com as pessoas, com seus direitos, com sua felicidade. Falhamos na ética do cuidado na criação de nosso ambiente humano.
Foi um mau começo para o país que vai sediar no Rio de Janeiro, entre 13 e 24 de junho de 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, apelidada de “Rio + 20”. Esse será um grande evento para se falar sobre o cuidado com o planeta, com os recursos naturais e com as pessoas, e para o qual se espera a participação do governo de mais de 100 países, além de membros da sociedade civil. Serão debatidos temas ambientais, como segurança climática, segurança energética, biodiversidade, cidades, água e oceanos. E também temas de natureza técnico-econômica, tais como desenvolvimento sustentável, produção e consumo sustentável, inovação tecnológica para sustentabilidade. O cuidado com as pessoas será expresso em temas como, segurança alimentar, migrações, trabalho decente e erradicação da pobreza.
A ONU se move por valores da civilização humana, por princípios erigidos na convivência laica. Qual não será a responsabilidade dos cristãos, que têm como guia a Bíblia, na qual passagens inteiras nos admoestam e educam quanto ao cuidado? Tomemos esta como exemplo: “Acaso não vos basta pastar os bons pastos, senão que pisais o resto de vossos pastos aos vossos pés? E não vos basta beber as águas claras, senão que sujais o resto com os vossos pés?” (Ez 34.18).
Marina Silva • é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.


Fonte: Revista Ultimato Março-Abril de 2012.

Crise civilizatória


por Marina Silva
 
Estive em Lisboa em outubro de 2011, a convite da Fundação Calouste Gulbenkian, para participar do ciclo de palestras chamado “Ambiente. Por que ler os clássicos?”. Coube-me comentar o texto “Nosso futuro comum”, também chamado Relatório Brundtland, encomendado pela ONU à ex-primeira ministra da Noruega, Gro Brundtland, em 1984. O estudo, concluído em 1987, inspirou vários desdobramentos na governança ambiental global, além de eventos como a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que conhecemos também como Cúpula da Terra ou Rio 92.
 
Passados 24 anos, e às vésperas da Conferência Rio + 20, que será realizada em junho de 2012, vejo, com certa tristeza, que foram muitos os descaminhos. Os alertas e as recomendações feitos no relatório tiveram efeitos, mas não suficientes para que, na primeira década do século seguinte à publicação, estivéssemos em situação menos complicada.
 
Temos um mundo convulso em crises superpostas e uma avaliação equivocada na hierarquização dessas crises. A crise econômica arrasta o sistema financeiro mundial para o colapso. A crise social nos exibe rostos magros de 2 bilhões de pessoas com fome. A crise política, nascida do descolamento entre a representação democrática dos povos e a atuação parlamentar de características corporativistas, denuncia que valores e significados estão sendo perigosamente postos de lado na condução dos interesses públicos. E a crise ambiental, resultante de um modelo de desenvolvimento em que o crescimento econômico não quer ter limites e espolia a base natural de todos os ecossistemas da terra, pode levar à esterilização do planeta pelo aquecimento climático a uma temperatura incompatível com a existência da vida.
 
A humanidade se dedica alegremente ao consumismo, às preocupações de curto prazo, sem pensar nas condições que as futuras gerações terão para viver. 
 
Isso nos leva a identificar outra crise: a da utopia, do sonho de solidariedade, de fraternidade, do planeta pleno de vida. Em Gênesis 1.22 o ato criativo de Deus significa um planeta cheio de vida na terra, nas águas e no ar, com plantas e animais, pássaros e peixes, e o ser humano por fiel guardião de tudo isso. No ano de 2012 da era cristã, essa vida está também ameaçada em todos os quadrantes da terra. Nossos processos institucionais e políticos não zelam pela democracia. Nossos processos produtivos desconhecem a inteligência da engenharia sistêmica de Deus e exploram os bens materiais do planeta até seu esgotamento, gerando poluição e outras disfuncionalidades nos ecossistemas. O fruto do trabalho de nossas mãos no campo visa o lucro, é mal distribuído e não chega às bocas famintas nos países pobres. Nossa infraestrutura cara e mal planejada é ambientalmente inadequada, além de injustiçar os povos que sofrem os impactos sem ter os benefícios. Nosso gigantesco sistema financeiro privatiza os lucros, mas impõe à humanidade os prejuízos de suas operações, resultando em perda de milhões de empregos.
 
As múltiplas crises que constituem a crise civilizatória que vivenciamos exigem de homens e mulheres sentido de urgência e mobilização para o imperativo ético da mudança de atitude que precisaremos ter face à destruição da vida abundante com que Deus agraciou o planeta. Para isso é importante propiciar o necessário encontro entre política e ética, economia e ecologia e, para os que creem no propósito restaurador da obra de Deus, do homem com Deus, consigo mesmo, com os outros homens e com a criação.
 
• Marina Silva é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.

Fonte: Revista Ultimato Janeiro-Fevereiro 2012.

16.4.12

Como organizar o sermão textual


O primeiro passo para preparar um sermão a partir de um versículo da Bíblia é definir a idéia central do texto, mesmo por que alguns textos podem fornecer mais de um tema diferente. Tendo a idéia central, o passo seguinte é definir a seqüência das divisões principais, que podem vir na ordem em que aparecem no texto ou em outra que o pregador achar conveniente, sempre dirigindo para o clímax do sermão. Vejamos algumas maneiras diferentes de construir um sermão textual.

Ordem simples conforme o texto
Idéia Central: Cristo é tudo para o crente (Jo 14,6)
A.    Cristo é o caminho para o céu
B.     Cristo é a verdade que orienta
C.     Cristo é a vida que salva

Troca da ordem para atingir um clímax
Idéia Central: O propósito dos dons (Ef 4. 11 – 12)
A.    Propósito individual: aperfeiçoar os santos
B.     Propósito coletivo: edificar a igreja
C.     Propósito missionário: servir a Deus

Classificação das idéias atribuindo um enfoque a cada uma
Idéia Central: O dever do cristão (Mq 6.8)
A.    Para consigo: justiça
B.     Para com os outros: misericórdia
C.     Para com Deus: humildade

Exploração de causa e efeito
Idéia Central: a missão do salvador (Lc 19.10)
A.    Veio ao mundo
B.     Buscou o perdido
C.     Salvou os que crêem

Exploração de contrastes e comparações
Idéia Central: Os critérios de Jesus (Lc 5.32)
A.    Os Justos rejeitados por Jesus
B.     Os pecadores convidados  por Jesus
C.     Os arrependidos transformados por Jesus

[Fonte: Texto extraído na integra de A arte de pregar, Robson M. Marinho, Edições Vida Nova, paginas 198 e 199.

18.3.12

O indivíduo, a família e o evangelho


por Valdir Steuernagel



Muitos de nós crescemos com a percepção de que o evangelho é fácil e bonito. Escolhemos uma igreja e nela levamos nossas crianças, alimentamos rituais de passagem e fazemos celebrações familiares, envoltos em um “belo cenário”. O evangelho se torna um adendo, um cosmético para o nosso bem-estar. Porém, ele é algo bem diferente disto. Aliás, na edição anterior afirmamos que “é fácil, olhando para os Evangelhos, ver como Jesus é um causador de confusão”. Vimos a tensão vivida pela sua própria família quando ele perguntou de forma um pouco prepotente: “Quem é a minha mãe, e quem são meus irmãos?” (Mc 3.33)

Quem nunca ficou chocado com o modo relativo como Jesus parece tratar os vínculos familiares? Confesso ter dificuldade de entender quando ele diz que os inimigos serão os da própria casa e, também, que por causa do evangelho se criará cizânia familiar (Mt 10. 34-36). Quando ele chama os discípulos a segui-lo, pede fidelidade absoluta e coloca em segundo plano a importância da família (Lc 14.26). Dizemos que a intenção dessa palavra de Jesus é testar nossas prioridades. Contudo, seria mesmo necessário relativizar tanto os vínculos familiares? Ou haveria algum outro sentido nessa declaração?

Vejo três movimentos que precisamos discernir e abraçar no que se refere a essas palavras de Jesus. O primeiro nos desafia a olhar para dentro de nós, a reconhecer quem somos e a nos confrontar com os processos destrutivos que fermentam em nosso interior e poluem tudo a nossa volta: “Mas as coisas que saem da boca vêm do coração; são essas que tornam o homem impuro. Pois do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfêmias” (Mt 15.18-19). Ao seguirmos Jesus, reconhecemos quem somos e, na busca por uma nova significação da vida, passamos por um processo de “lavagem interior”.

Contudo, como não somos indivíduos isolados da nossa história e contexto, este não é um processo individual. Somos, em grande parte, nossa história e nosso contexto. Criamos e impomos costumes e tradições que fazem parte da teia social que promove e também aprisiona a vida. Algo que foi constituído para facilitar e sustentar pode ser usado para escravizar, entristecer e empobrecer. Isso pode ser visto tanto nos milenares grupos étnicos e tribais quanto nas associações e aglomerados urbanos modernos. Jesus detecta e denuncia esses mecanismos. Ao acusar alguns de seus interlocutores de usar a tradição para deixar pai e mãe desprotegidos (Mt 15.3-6), ele se vale da relação familiar para demonstrar como isso acontece. Ao seguirmos Jesus, aprendemos a relativizar, não apenas nossos vínculos de pertencimento, mas também nossos usos e costumes. Por outro lado, ao segui-lo, experimentamos o sentido de resgate de nós mesmos, dos nossos vínculos e da nossa própria cultura. Por meio desse resgate, vemos aflorar o sentido tanto da família como do mandato cultural, com o qual fomos agraciados por Deus desde a criação.

O segundo movimento aponta, assim, para o resgate do sentido e da importância da família. O mesmo Jesus que em dado momento relativiza sua própria família, ao falar das tradições humanas, afirma o mandamento que aponta para o cuidado com os pais. E na hora de sua morte preocupa-se com a mãe e a entrega aos cuidados do discípulo João (Jo 19.27).

O evangelho não nos tira a família. Antes, acrescenta a ela uma família maior, que é a família da fé. Em conversa com os discípulos, Jesus aponta para essa realidade e lhes diz que serão recompensados com “irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos” (Mc 10.28-30). Assim, o evangelho nos abraça com a formação de uma comunidade que se nega a desenvolver tradições e costumes que encolham a vida, explorem o outro e se transformem em estruturas discriminatórias. O evangelho afirma opções de vida em que o interior é renovado e as prioridades são revistas, a família tem seu lugar restaurado e uma nova comunidade, com vocação de inclusão e de serviço em amor, emerge.

O terceiro movimento abraça o excluído, o solitário e o abandonado e resgata a dignidade da vida de cada um deles, como Jesus sempre fez. Aliás, foi para isso que ele apontou quando reagiu aos seus irmãos e à sua mãe, quando pretendiam buscá-lo e aprisioná-lo dentro de uma estrutura que ele queria relativizar e expandir. É preciso enxergar além da própria estrutura familiar; caso contrário, esta se torna egocêntrica, cansativa e maçante. É preciso ver que há um mundo lá fora que nos enriquece e desafia. Por isso Jesus diz que quem faz a vontade de Deus passa a ser sua família (Mc 3.35). E diz isso tanto para seus irmãos e sua mãe quanto para os que estavam ao seu redor. O segredo é fazer a vontade de Deus, e esta inclui honrar pai e mãe, cuidar dos filhos com amor, construir famílias integradas e belas e viver uma vida de amor e serviço. A verdade e a realidade disto são medidas, principalmente, a partir da maneira como se integra e se abraça o pequeno e o excluído. E disso nunca podemos nos esquecer.



Valdir Steuernagel • é teólogo sênior da Visão Mundial Internacional. Pastor luterano, é um dos coordenadores da Aliança Cristã Evangélica Brasileira e um dos diretores da Aliança Evangélica Mundial e do Movimento de Lausanne.

[1] Fonte: Revista Ultimato Março-Abril 2012.

27.2.12

A Regra Fundamental da Hermenêutica conforme E. Lund


Pelo dito anteriormente, foi-nos possível ver como é apropriado e mais conveniente, que em qualquer documento de importância em que se encontrem pontos obscuros se procure que ele seja seu próprio intérprete. Quanto à Bíblia, o procedimento sugerido não só é conveniente e muito factível, mas absolutamente necessário e indispensável.

O quanto sabemos, o primeiro intérprete da Palavra de Deus foi o diabo, dando à palavra divina um sentido que ela não tinha, falseando astutamente a verdade. Mais tarde, o mesmo inimigo, falseia o sentido da Palavra escrita, truncando-a, isto é, citando a parte que lhe convinha e omitindo a outra.

Os imitadores, conscientes e inconscientes, têm perpetuado este procedimento enganando à humanidade com falsas interpretações das Escrituras. Vítimas, pois, de tais enganos e de tão estupendos erros, que têm resultado em hecatombes e cataclismos, devemos já conhecer o suficiente dessa interpretação particular. 

E a ninguém deve parecer estranho que insistamos em que a primeira e fundamental regra da correta interpretação bíblica deve ser a já indicada, a saber: 

A Escritura explicada pela Escritura, ou seja: a Bíblia, sua própria intérprete.

Ignorando ou violando este princípio simples e racional, temos encontrado, como dissemos, aparente apoio nas Escrituras a muitos e funestos erros. Fixando-se em palavras e versículos arrancados de seu conjunto e não permitindo à Escritura explicar-se a si mesma,encontraram os judeus aparente apoio nela para rejeitar a Cristo.Procedendo do mesmo modo, encontram os papistas a papistas aparente apoio na Bíblia para o erro do papado e das matanças com ele relacionadas, para não falar da Santa Inquisição e outros erros do mesmo estilo. Atuando assim, acham aparente apoio os espíritas para sua errônea encarnação; os comunistas, para sua repartição dos bens; os incrédulos zombadores, para as contradições; os russelitas para seus erros blasfemos. e, finalmente, os Wilson e Roosevelt, para seu militarismo. Se tivessem a sensatez de permitir a Bíblia que se explicasse a si mesma, evitariam erros funestos. 

Graças ao abuso apontado ouvimos dizer que com a Bíblia se prova o que se quer. A má vontade, a incredulidade, a preguiça em seu estudo; o apego a idéias falsas e mundanas, e a ignorância de toda regra de interpretação, provará o que se queira com a Bíblia; porém jamais provará a Bíblia o que os homens tão mal dispostos querem. Tampouco provará nenhum douto de verdade, nem crentes humildes, qualquer coisa com a Escritura. 

Ao contrário, porque o discípulo humilde e douto na Palavra sabe que "a lei do Senhor é perfeita" e que não há erro na Palavra, mas no homem, ele sabe que não se tira e se põe, ou se acrescenta e se suprime impunemente à Palavra, segundo o estilo satânico, porquanto Deus,mediante seu servo, fez constar: "Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida." Não, certamente a revelação divina,qual Lei perfeita, "é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra"; tal revelação, dissemos, não se presta impunemente a tal abuso. 

Em vista de tais afirmativas e destas e outras restrições, é evidente que carece absolutamente de sanção divina a interpretação particular do papismo que concede autoridade superior à Palavra mesma, à interpretação dos "pais" da Igreja docente ou da infalibilidade papal,como carece também de dita sanção a idéia da interpretação individual do protestantismo. "Nenhuma profecia da Escritura provam de particular elucidação", disse Pedro; e Jesus nos exorta a examinar as Escrituras para achar a verdade, e não a interpretar as Escrituras para estabelecer a verdade a nosso arbítrio. 

Nada de estranho tem, pois, que nos eminentes escritores da antiguidade encontremos afirmações como estas: As Escrituras são seu melhor intérprete. Compreenderás a Palavra de Deus melhor que de outro modo, comparando uma parte com outra, comparando o espiritual com o espiritual (1 Cor. 2:13). O que equivale a usar a Escritura de tal modo que venha a ser ela seu próprio intérprete. 

Se por uma parte, arrancando versículos de seu conjunto e citando frases soltas em apoio de idéias preconcebidas, é possível construir doutrinas chamadas bíblicas, que não são ensinos das Escrituras, mas antes "doutrinas de demônios"; por outra parte,explicando a Escritura pela Escritura, usando a Bíblia como intérprete de si mesma, não só se adquire o verdadeiro sentido das palavras e textos determinados, mas também a certeza de todas as doutrinas cristãs,quanto à fé e à moral. 
Tenha-se sempre presente que não se pode considerar de todo bíblica uma doutrina antes de resumir e encerrar tudo quanto a Escritura diz da mesma. Um dever tampouco é de todo bíblicos e não abarca e resume todos os ensinos, prescrições e reservas que contam a Palavra de Deus em relação ao mesmo. Aqui cabe bem a lei:"Não se pronuncia sentença antes de haver ouvido as partes." Porém cometem o delito de falhar antes de haver examinado as partes todos aqueles que estabelecem doutrinas sobre palavras ou versículos extraídos do conjunto, sem permitir à Escritura explicar-se a si mesma. Igual falta cometem os que do mesmo modo procedem e falam de contradições eensinos imorais.

Por conseguinte, é de suma necessidade observar a referida regra das regras, a saber:A Bíblia é seu próprio intérprete,se não quisermos incorrer em erros e atrair sobre nós a maldição que a própria Escritura pronuncia contra os falsificadores da Palavra. Dissemos "regra das regras", porque desta, que é fundamental, se desprendem outras várias que, como veremos, dela nascem naturalmente.

* Texto extraído na integra do livro Hermenêutica de E. Lund e P. C. Nelson Editora Vida paginas 23, 24, 25 e 26. 

24.2.12

Introdução ao Pentateuco


por Allan Reis

É comum encontrarmos no texto bíblico alguma menção a Lei tanto no A. T. como no N. T. o famoso salmo primeiro declara: Como é feliz aquele que não segue o conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores! Ao contrário, sua satisfação está na lei do Senhor, e nessa lei medita dia e noite”. Em 1 Timóteo 1.8 diz “Sabemos que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo”.

Na maioria das vezes quando as pessoas encontram o termo Lei no texto bíblico a primeira coisa que imaginam é tratar-se do período anterior a Jesus (o posterior é a graça), porém muitas vezes se analisarmos o contexto na verdade está se referindo a todo o A. T., porém quando o lemos não encontramos na sua literatura apenas textos legais (normas, regras, leis, mandamentos) encontramos também músicas, poesias, profecias, histórias e até charadas (Sansão) logo se formos ser rigorosos a lei encontra-se nos cinco primeiros livros do A. T. (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) e mesmo nesses não encontramos apenas normas, temos histórias também.

Os textos exclusivamente de lei estão em uma parte de Êxodo, um pouco em Números quase todo o Levítico e praticamente todo o livro de Deuteronômio.

Os judeus chamavam os cinco primeiros livros do A. T. de Torah que significa ensino, instrução ou orientação.

Em hebraico utiliza-se das primeiras palavras do livro para dar o título do mesmo desse modo o nome década livro é o seguinte: Gênesis: Bereshit = no começo. Êxodo: Shemot = os nomes. Levítico: Vayikra = E Ele chamou. Números: Bamidbar = no deserto. Deuteronômio: Devarim = As palavras. O texto português utiliza os nomes que a Vulgata (mais famosa versão em Latim do texto bíblico) deu para os livros.

A partir do II século a igreja começou a utilizar a expressão Pentateuchos que significa o livro guardado em cinco vasos ou penta = cinco + teuchos = estojo para rolo de papiro. Provavelmente todo o conteúdo de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio era um único rolo de papiro (livro) que foi obrigado a ser dividido em cinco partes para facilitar o manuseio.

Conhecer o Pentateuco é fundamental para entender todo o restante do A. T. e para compreender a vontade de Deus para a humanidade. Nele encontramos a origem do homem, sua queda e o resultado dela. Também temos o inicio do plano redentor de Deus para resolver o problema criado pelo homem o pecado. Através da escolha da família de Abrão para a formação de uma nação que atrairia todas as demais para Deus, o restante do Pentateuco é a história desta família e como ela começou a se transformar em uma nação.

Para tanto foi necessário que esta família torna-se um grande povo dentro de outra nação (o Egito) fossem escravos lá e milagrosamente pela mão do Senhor retornassem para a terra prometida (Canaã ou Palestina), mas sem antes novamente por causa da desobediência serem obrigados a passar 40 anos no deserto para serem purificados e receberem a lei do Senhor que ensinava como aquela nação iria conduzir a sua vida com Deus, com o próximo e com as demais nações. Por isso é possível afirmar que o grande tema do Pentateuco é a reconciliação de todas as coisas para com Deus.

Há diversos relatos bíblicos que afirma de modo explícito que Moisés é o autor dos cinco livros como, por exemplo: 1 Rs 2.3; Ed 3.2; Ne 8.1; Êx 17.14 Dt 31. 24 a 26; II Co 3.15; Lc 16. 29 a 31 dentre outros, vale destacar que o relato de sua morte tenha sido feito por Josué seu sucessor ou por algum editor.

Bibliografia:

Jackson Day. Velho Testamento: Narrativas Bíblicas. SOCEP, 2000.

Stanley A Elissen. Conheça Melhor o Antigo Testamento. Editora Vida.


Gleason L. Archer Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento?  
    

23.2.12

Sentido de urgência


por Marina Silva 
Em maio deste ano a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei (PLC 30/2011) que tem como objetivo modificar o Código Florestal. Sem ouvir de forma adequada a população e sem considerar as contribuições da ciência, aproximadamente 80% dos deputados votaram em favor da proposta. Deram um sim ao retrocesso na legislação ambiental de nosso país; à retirada da proteção às beiras de rios, permitindo o desmatamento e assoreamento dos cursos d’água; às encostas de morros, pois com a retirada de sua vegetação elas podem desabar sobre estradas e casas; aos topos de morros, que podem sofrer o mesmo efeito; aos mangues, que podem secar e desaparecer. Um sim ao perdão a desmatadores que desrespeitaram as leis; ao descumprimento da função socioambiental das propriedades; ao agravamento das mudanças climáticas. 
Após a votação, o instituto de pesquisa Datafolha mostrou que 85% da população se declarou contrária ao retrocesso e às outras consequências mencionadas. Ficou patente que estamos vivendo um descolamento entre os mandatos parlamentares e o compromisso de ser representação política. 
O projeto de lei agora está no Senado. Mais do que nunca a natureza geme e sofre esperando a revelação dos filhos de Deus para sua libertação (Rm 8.19-23). A esperança é que a situação possa ser modificada. Os senadores precisam saber que é muito importante proteger as florestas e os rios, pois são fundamentais para a qualidade de vida dos brasileiros. Dependemos deles para beber água, para cultivar os alimentos, para evitar as enchentes e os desabamentos, para fortalecer e fertilizar o solo. Cuidar das nossas florestas e rios é produzir dentro da perspectiva do desenvolvimento sustentável. Esta é uma visão que considera as necessidades presentes e também as necessidades das futuras gerações. O legado de nosso tempo não pode ser a degradação, a poluição, o esgotamento, as tragédias eminentes. Isso não condiz com a visão de mordomia da criação, como afirma a Palavra de Deus. 
Em conjunto com algumas pessoas e mais de cem organizações participei da criação e participo da atuação do Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável. Vamos apresentar um abaixo-assinado aos senadores pontuando as questões levantadas neste texto. É importante que a opinião dos brasileiros seja ouvida no Congresso, e é fundamental que ao colocar o nome no abaixo-assinado cada um o faça como sujeito de sua história, saindo da posição de espectador da política e assumindo o papel de agente responsável pelos rumos do país. A menos de um ano da realização no Brasil da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a chamada “Rio + 20”, é preciso impedir que o país cometa uma agressão contra o marco legal que a duras penas conquistou ao longo dos últimos anos e contra as bases naturais de seu próprio desenvolvimento.
Para se informar e participar do abaixo-assinado e dar aos senadores o recado da população -- a fim de que entendam o sentido da responsabilidade que precisam ter e não se afastem do fato de que foram eleitos para representar e não para substituir as pessoas, acesse: www.florestafazadiferenca.org.br.
• Marina Silva é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.

Fonte: Revista Ultimato Novembro-Dezembro de 2011.

20.1.12

Coisas que ficam para trás


por Gladir Cabral

No saguão de embarque do aeroporto de Congonhas (SP) há uma caixa de acrílico, logo na entrada onde as bagagens de mão são vistoriadas por um aparelho de raio X. Nessa caixa estão contidos vários objetos que os passageiros não puderam levar para dentro do avião: tesouras de cabeleireiro, tesouras escolares, facas, canivetes suíços, réguas de metal e objetos cortantes de vários tamanhos. Muitos desses objetos são caros, outros são completamente banais, outros ainda parecem ser caseiros, gastos pelo uso, improvisados. Tem até um ursinho de pelúcia! Deve ter sido doloroso para aquela criança deixar para trás tal objeto de afeto e desejo.
 
Certos momentos de nossa vida exigem que tomemos difíceis decisões. Certas coisas que cultivamos, certos hábitos, certos valores, certos desejos que trazemos no bolso devem ser deixados para trás. Para continuar a viagem, é preciso abrir mão deles. Isso é sempre necessário, às vezes doloroso, nunca fácil. Por outro lado, só assim nossas mãos e corações podem ficam mais livres de apegos e interesses menores. Na verdade, nem podemos imaginar a liberdade que encontramos ao deixar essas coisas para trás – é o que diz o músico cristão contemporâneo Michael Card.
 
Em sua belíssima canção “Things we leave behind”, o poeta medita sobre o chamado de Pedro e Mateus. Pedro esta à beira-mar, ocupado em seu ofício, consertando suas redes, quem sabe fazendo planos para uma nova pescaria, quem sabe refletindo sobre os ensinamentos do fascinante profeta João Batista. O fato é que Jesus se aproxima dele e o desafia a um novo projeto de vida: “Ser pescador de gente”. Imediatamente, Pedro abandonou os barcos, as redes, os “camaradas”, um estilo de vida de mais de 15 ou 20 anos, e seguiu a Jesus.
 
Mateus estava na coletoria, envolvido em seus relatórios, estatísticas, índices, cotas a serem alcançadas, pessoas a serem “visitadas”, bens a serem confiscados. Ele era coletor de impostos. Sua vida consistia em ter ou não ter, ganhar mais, acumular, taxar e calcular juros. Mas ao conhecer Jesus, uma transformação muito profunda ocorre em seu coração. Ao ouvir o chamado, ele deixa para trás a coletoria, certamente uma difícil decisão em tempos em que emprego, estabilidade financeira e posses materiais eram tão valorizados.

Existe algo estranho no exercício da posse. Facilmente as coisas que possuímos podem ser tornar donas de nosso coração. Facilmente nos tornamos adoradores e zelosos servidores de seus interesses. Temos uma propriedade. Muito bem. Silenciosamente, ela vai reclamando nossa atenção: já pagou o IPTU? Já pagou o IPVA? Viu só quanto estou valendo? Preciso de umas reformas? Olha só como sou preciosa! Você não vai querer me ver caindo aos pedaços, vai? O que seria de você sem mim? Eu é que lhe dou importância! Você acha que os outros lhe dariam atenção se não fosse meu dono? Como é que você vai viver sem mim?

Mas Cristo quer nos libertar do poder encantatório das coisas materiais. Ele quer libertar nosso coração da necessidade de centrar a vida na posse de coisas. Seu desafio de segui-lo exige de nós o exercício, às vezes doloroso, mas certamente necessário e surpreendente, de abrir mão de ser dono, proprietário último do que temos. Isso não quer dizer que devamos ser mendigos e viver de favores, pelo menos não todos nós. Na verdade, o que Ele quer mostrar é que não precisamos dessas coisas para viver plenamente. Podemos até tê-las em nosso nome, mas não em nosso coração. Então veremos quanta liberdade encontramos ao abrir mão dessas posses.

Meditemos na letra da canção “Coisas que deixamos para trás” (Things We Leave Behind), de Michael Card:
 
Lá está Simão assentado, tão tolamente sábio,
Consertando com orgulho suas redes.
Mas Jesus o chama e os barcos partem,
E tudo o que tem ele esquece.
Porém mais do que as redes que ele abandonou naquele dia,
Ele descobriu que seu orgulho estava acabando.
É difícil imaginar a liberdade que alcançamos
Com as coisas que deixamos para trás.
 
Mateus era rigoroso ao cobrar impostos
E obrigar as pessoas a pagar.
Mas, ouvindo o chamado, ele respondeu em fé
E seguiu a Luz e o Caminho.
E deixou o povo perplexo ao descobrir
Que a cobiça não estava mais lá.
É difícil imaginar a liberdade que alcançamos
Com as coisas que deixamos para trás.
 
Todo coração precisa se libertar
De posses que os prendem tão fortemente,
Pois a liberdade não está nas coisas que possuímos
Mas é o poder de fazer o que é certo.
Com Cristo, nossa única posse,
E dar se torna nosso prazer,
É difícil imaginar a liberdade que alcançamos
Com as coisas que deixamos para trás.
 
Nós mostramos em nossas vidas o amor pelo mundo
Quando adoramos as coisas que possuímos.
Jesus disse: “Deixa de lado os teus tesouros
E ama a Deus acima de todas as coisas!”.
Porque quando dizemos não às coisas do mundo,
Abrimos nosso coração para o amor do Senhor
E é difícil imaginar a liberdade que conseguimos
Com as coisas que deixamos para trás.

8.1.12

Percepções de si mesmo

por Taís Machado


Necessitamos ser amados. O orgulho é uma espécie de disfunção na capacidade de perceber-se amado. Portanto, o orgulho pode ser o estado de uma alma insegura, a manifestação de uma carência que desconfia jamais ser suprida.
 
Vive-se como se a vida fosse um concurso. Só que o orgulhoso procura, além disso, não apenas ser classificado, mas ser o primeiro. Afinal, ele não pode viver sem provar a si mesmo e exibir aos outros que ele é o melhor.
 
Geralmente o orgulhoso não tem consciência de que é assim. Entende-se apenas como esforçado, bastante dedicado, que se interessa inteiramente pelas coisas, que não desiste -- enfim, um brasileiro superior. A razão pode ser um forte apoio para justificar-se e defender-se inconscientemente.
 
O que predomina naquele que é tomado pelo orgulho é a competição. E quem compete, necessariamente, precisa observar o outro. Vive prestando atenção no desempenho do próximo a fim de superá-lo. Ou seja, a comparação é como o ar que ele respira. Não consegue viver sem isso, está o tempo todo vendo e julgando.
 
O orgulhoso é compelido a insinuar seus feitos todo o tempo. Ofende-se se não é mencionado. Considera-se facilmente injustiçado e os demais, ingratos, quando se trata, na verdade, de dificuldades suas.
 
Dominado pelo orgulho, assume um jeito de viver em que a autossuficiência se revela, às vezes, discretamente, em outras ocasiões, explicitamente. Assim seus dias ficam mais cansativos, pois vivem acorrentados ao peso de não poder pedir ajuda. Sentem como se isso fosse uma vergonha mortal.
 
Tudo isso compromete sua capacidade de gratidão e contentamento. O orgulhoso vive inconformado com a falta de reconhecimento dos que o cercam quanto a tudo que já fez. Chega a julgar o próprio Deus e vê-se no direito de explicar por que percebe que de certa forma Deus está em dívida com ele. Em última análise, pode concluir que Deus não é de fato confiável, pois não é justo. Sendo assim, vive uma solidão cruel, que se esmera por disfarçar.
 
A alma adoecida pelo orgulho acaba por viver seus dias miseravelmente. Vê inimigos o tempo todo, sente uma perseguição implacável em seu cotidiano. Portanto, envelhece com raízes de amargura, com dureza ímpar, com sofrimentos desnecessários. A distorção na maneira de olhar e interpretar a si mesmo, os outros e o seu contexto enruga a alma de tal maneira que poucos vestígios sobram da imagem de Deus, o Criador.
 
Tais Machado, paulistana, é psicóloga clínica e professora em seminários teológicos. É secretária nacional de capacitação da Aliança Bíblica Universitária do Brasil.