28.11.12

O ambiente humano

por Marina Silva


O Brasil passou a última semana de janeiro vendo escombros em reportagens televisivas sobre o resgate das vítimas do desabamento dos três prédios no centro da cidade do Rio de Janeiro. Além de sofrermos com as famílias e torcermos por um final feliz para cada espera, perguntamos, em escala nacional, qual seria a causa da tragédia. Aos poucos a causa foi ficando clara, pois nenhum fenômeno natural estava em sua raiz. Não foi desabamento por chuvas nem movimento de terras subterrâneas. O colapso da estrutura de um dos prédios, provocado por falha humana, era a explicação.

No mesmo período vimos outras imagens de escombros. Dessa vez, nas notícias sobre a ação do governo do estado de São Paulo na desocupação de áreas pertencentes à massa falida da empresa do Grupo Naji Nahas, em Pinheirinho, São José dos Campos. Seis mil pessoas foram desalojadas pela polícia. Máquinas destruíram casas sem que seus moradores pudessem retirar delas um garfo sequer, deixando atrás de si destruição, desolamento, pedaços estraçalhados de bens. De novo a causa não foi ventania, furacão ou outra razão natural, mas a atuação de instituições oficiais.
De tais escombros se eleva uma mensagem, uma reflexão. O Salmo 115.16 diz que Deus nos deu este planeta. No-lo deu pleno de vida (Gn 1.22) e de recursos para satisfazer nossas necessidades (Gn 1.29-30) e encarregou-nos de cuidar dele (Gn 2.15). Fez-nos corpo e espírito (Gn 2.7), portanto, com capacidade criativa, que nos permite criar sobre e com a criação. Assim, temos no planeta o ambiente natural e aquele que brotou dos artifícios humanos. Estes os cientistas chamam de cultura material. Quanto a eles, temos a seguinte recomendação: “Quando edificares uma casa nova, farás um parapeito, no eirado, para que não ponhas culpa de sangue na tua casa, se alguém de algum modo cair dela” (Dt 22.8).
Os primeiros escombros revelam nosso pouco cuidado com o ambiente que produzimos, com as normas técnicas, com a segurança, com a durabilidade do que fazemos. Os segundos, denunciam o pouco cuidado com as pessoas, com seus direitos, com sua felicidade. Falhamos na ética do cuidado na criação de nosso ambiente humano.
Foi um mau começo para o país que vai sediar no Rio de Janeiro, entre 13 e 24 de junho de 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, apelidada de “Rio + 20”. Esse será um grande evento para se falar sobre o cuidado com o planeta, com os recursos naturais e com as pessoas, e para o qual se espera a participação do governo de mais de 100 países, além de membros da sociedade civil. Serão debatidos temas ambientais, como segurança climática, segurança energética, biodiversidade, cidades, água e oceanos. E também temas de natureza técnico-econômica, tais como desenvolvimento sustentável, produção e consumo sustentável, inovação tecnológica para sustentabilidade. O cuidado com as pessoas será expresso em temas como, segurança alimentar, migrações, trabalho decente e erradicação da pobreza.
A ONU se move por valores da civilização humana, por princípios erigidos na convivência laica. Qual não será a responsabilidade dos cristãos, que têm como guia a Bíblia, na qual passagens inteiras nos admoestam e educam quanto ao cuidado? Tomemos esta como exemplo: “Acaso não vos basta pastar os bons pastos, senão que pisais o resto de vossos pastos aos vossos pés? E não vos basta beber as águas claras, senão que sujais o resto com os vossos pés?” (Ez 34.18).
Marina Silva • é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.


Fonte: Revista Ultimato Março-Abril de 2012.

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