17.3.15

Liberdade e Segurança


A busca de dois valores, liberdade e segurança, ambos amplamente cobiçados, já que indispensáveis a uma vida digna e feliz, converge no atual discurso sobre a identidade. As duas linhas de busca notoriamente se evadem à coordenação, cada qual tende a conduzir a um ponto além daquele em que a outra busca se arrisca a ser travada, interrompida ou mesmo invertida. Embora não se possa conceber uma vida digna ou satisfatória sem uma mistura tanto de liberdade quanto de segurança, dificilmente se consegue um equilíbrio satisfatório entre esses dois valores: se as tentativas do passado, inumeráveis e invariavelmente frustradas, servem para alguma coisa, esse equilíbrio pode muito bem ser inalcançável. Um déficit na segurança repercute na angustiante incerteza (e agora fobia) de que o “excesso de liberdade” – beirando uma permissão para o “tudo é valido” – inevitavelmente será nutrido. Um déficit de liberdade, por outro lado, é vivenciado como um debilitante excesso de segurança (a que os sofredores dão o codinome de “dependência”).
O problema, porém, é que, quando falta segurança, os agentes livres são privados da confiança sem a qual dificilmente se pode exercer a liberdade. Sem uma segunda linha de trincheiras, poucas pessoas a não ser os aventureiros mais ousados têm coragem suficiente para enfrentar os riscos de um futuro desconhecido e incerto. Sem uma rede segura, a maioria se recusará a dançar na corda bamba e se sentirá profundamente infeliz se forçada a fazê-lo contra a vontade.
Quando, por outro lado, o que falta é a liberdade, a segurança parece escravidão ou prisão. Pior ainda, quando se é submetido a essa situação por muito tempo sem intervalo e sem ter experimentado um outro modo de ser, mesmo a prisão pode sufocar o desejo de liberdade, assim como a capacidade de praticá-la, e então se transformar no único hábitat aparentemente natural e habitável – não sendo mais percebida como opressiva. [...]
Qualquer aumento na liberdade pode ser traduzido como um decréscimo na segurança e vice-versa. As duas leituras se justificam, e qual delas se move para o centro da preocupação pública num determinado momento depende de outros fatores além dos elegantes argumentos apresentados para justificar a escolha. Mas as chances de um apoio à mudança no equilíbrio entre liberdade e segurança seriam maiores se a própria escolha fosse um exercício de liberdade. A abertura de perspectivas que um aumento da liberdade poderia trazer dificilmente seria visto como um bom negócio se esse acréscimo resultasse da falta de liberdade – se fosse imposto ou implementado sem consulta. Numerosos resultados de pesquisa confirmam a regra: quando as pessoas se ressentem de mudanças em suas condições de existência ou nas regras do jogo da vida, isso ocorre muito menos pelo desagrado em relação às novas realidades resultantes da mudança do que pela maneira como estas foram produzidas, ou seja, porque foram colocadas em pauta sem que se consultassem as pessoas.                            
Fonte: Livro Vida Líquida do sociólogo Zygmunt Bauman, publicado em 2005, pela editora Jorge Zahar.