3.10.15

A Nossa História São As Pessoas

Quais foram as pessoas mais importante na sua vida até aqui?

De modo consciente ou inconsciente de vez em quando nos perguntamos: Quem sou eu? Responder a esta questão é uma tarefa complexa! Paulo Freire afirmava que não somos estamos sendo.

Não há dúvida que somos formados por diversos aspectos e características, ou seja, somos seres biopsicosocialespiritual,tudo ocorrendo ao mesmo tempo. Regidos por uma eterna disputa entre o desejo e  a conduta imposta pela cultura que nos cerca.

Mas, algo é certo nossa história é parte importante da nossa identidade, em outras palavras atualmente somos em maior ou menor grau o resultado da nossa história de vida, ou melhor o que fizemos com ela.

Nossa história só existe por causa de outras pessoas. Não somos a não ser que haja outros por perto, que nos auxiliam, protegem, cuidam, ensinam, escutam e muitas outras coisas.

Apesar de existirmos dentro de uma sociedade onde o individualismo é praticamente uma religião formada por milhões de seguidores fanáticos só somos  a partir das relações que desenvolvemos com os outros, sem estes relacionamentos caminhamos apressadamente para a morte.

Pensando nisto construi uma lista com os nomes das pessoas mais importantes na minha jornada. Com certeza esta lista é incompleta, mas tenho certeza que nela consta uma parte considerável das pessoas com quem me relacionei.

Para cada ano escolhi uma ou mais pessoas que naquele tempo foram fundamentais na minha vivencia. Várias destas pessoas me influenciaram por muito mais que um ano. Algumas não tenho mais contato, porém carrego cada uma no coração e na memória, seus ensinamentos, crenças e histórias de vida continuam a me iluminar.

Ao nomear cada ano com o nome destas pessoas, desejo agradecer pela experiência de conviver com cada uma destas pessoas, aprendendo como encarar esta jornada chamada vida.


1982
1983
1984 Mãe, Pai, Milto, Viti e Tuca
1985
1986

1987 Dona Santina
1988 Heloisa
1989 Professora Marli
1990 Professora Ana Claudia 

1991
1992 Hugo, Glauber e Cleiton
1993

1994 Mari
1995 Dani
1996 Carla
1997 Diola
1998 Professora Jô
1999 Gislene 
2000 Ioná
2001 Pastor José Roberto
2002 Serginho
2003 Dona Antonia
2004 João, Daniel, Glaucia, Keila e Michel
2005 Seu Chico e Dona Terezinha

2006 
2007 Adilson, Fernanda e Mislene
2008

2009 Linda
2010 Henri
2011 Karol
2012 Douglas
2013 Galdino e Livan
2014 Professor Lauri
2015

O vazio em 2015 é um símbolo da contemporaneidade onde as relações são cada vez mais frágeis, otimizadas, escassas de lastro e persistência para a continuidade. Também representa a saudade dos grandes amigos(as) que não tenho mais o privilégio da com vivencia. 

15.4.15

Anotações Sobre Vida Líquida


Nos últimos anos tive contato com a sociologia da religião e diversas vezes ouvi ou li citações do ou sobre o sociólogo polonês, Zygmunt Bauman e a sua teoria sobre a modernidade líquida. Bauman é um dos grandes intelectuais da contemporaneidade, radicado na Inglaterra, completa em 2015, 90 anos. Recentemente tive finalmente meu primeiro contato com um, dos seus muitos textos, a saber, Vida Líquida, publicado pela Zahar em 2007. Vida líquida é um convite e ao mesmo tempo uma instigação para pensarmos o nosso cotidiano no meio em que vivemos e talvez até uma sugestão para repensarmos o modo como praticamos está jornada chamada vida, realizada sobre o solo da terra junto com a humanidade.
A vida líquida é a vida que acontece em meio a modernidade liquida, ou seja, existimos num tempo marcado por mudanças constantes, numa velocidade distinta daquela experimentada pelos nossos antepassados. O consumismo tem dominando todas as esferas da vida, transformando toda relação, numa relação de compra e venda. Produzindo pessoas individualistas e acuadas pelo medo.  
O texto para quem não está acostumado com a sociologia é sim um pouco pesado, em especial quando ele trabalha sobre a influência da individualização sobre a identidade, mas, não se sinta desmotivado para a leitura. Para refletir sobre a vida é essencial pensar sobre o “ser”, apesar do “ter” ser uma presença constante. Além do que, a escrita de Bauman é carregada, encharcada de metáforas e exemplos do cotidiano, que facilitam e trazem fluidez em diversos trechos e compreensão para alguns aspectos teóricos.
Não se pode deixar de destacar algumas reflexões, que surgem ao longo do texto, de caráter extremamente prático, janelas que iluminam a vivencia. Sobre a gangorra entre os valores “liberdade” e “segurança”, quanto mais se tem um, menos se tem o outro (pp. 12, 23, 39, 44, 50 – 54, 189 – 191).
A cultura da descartabilidade do nosso tempo, que faz com que até os laços de amizade e conjugais sejam de curta duração, deletados como nas redes sociais. A incapacidade do homem ocidental contemporâneo de morrer e lutar por uma causa e de compreender o martírio. O desejo constante da espetacularização e a reverencia as celebridades que tem fim em si mesmas (pp. 67 – 69).
Enquanto lia estas reflexões, tinha a sensação de estar diante de um ancião, um mestre que pacientemente compartilhava comigo as experiências da vida, me dando dicas, atalhos para ler a contemporaneidade. Vários momentos durante a leitura eu não escutava um sociólogo, mas, um profeta. Não utilizo o termo profeta como aquele que prevê o futuro, Bauman fala sobre o hoje, mas nos moldes dos profetas do Antigo Testamento, ou seja, aquele que denúncia: a imparcialidade, o sofrimento, a opressão, a dor desnecessária, a utilização indevida do que deveria ser utilizado para o serviço ao próximo. Sim, sei que também há previsões nos textos do Antigo Testamento e também, reconheço que está interpretação provavelmente esteja marcada pelas minhas leituras de teólogos da libertação. Tenho certeza que você encontrará outras reflexões e outras escutas.     
Criticas? Meu conhecimento em sociologia e minhas leituras em Bauman ainda são muito incipientes para construí-las, mas, elas ainda virão. Concluo com o resumo que o próprio autor faz da sua obra: 

Este livro é uma coletânea de ideias sobre vários aspectos da vida líquida, a vida que se leva em um sociedade líquido-moderna. A coletânea não pretende ser completa. Mas espera-se que cada um dos aspectos analisados ofereça uma janela para a realidade que compartilhamos nos dias de hoje, assim como para as ameaças e possibilidades que essa realidade traz para as perspectivas de tornar o mundo humano um pouco mais hospitaleiro para a humanidade.

Boa leitura, paz e bem!


3.4.15

Deus veio a nós!


A vinda tripla de Deus

Não somente no Novo Testamento cristão, mas também o Antigo Testamento judeu está orientado para a vinda de Deus ao seu povo, sua humanidade e sua terra. Se o povo se sente em terra estranha, abandonado por Deus e distante da terra prometida, então grita por ele, como mostram bem as lamentações bíblicas: Levanta-te, Senhor; levanta teu rosto e vem! (cf. Sl 4.6). Se o povo pressente a vinda de Deus, então deve preparar o caminho: “Levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória” (Sl 24.7). Experimenta-se a presença plena do Deus vindouro e então esse povo canta e dança diante dele, glorifica sua beleza.
Os dois Testamentos são testemunhas paralelas da esperança em Deus, assim como Israel e a Igreja são testemunhas da esperança no mundo. Nós vivemos no tempo do advento de Deus. A fé nos permite confiar em Deus e a esperança torna nossos sentidos despertos e alertas para o vindouro. Ele veio na carne, ele vem em Espírito e ele virá em glória.

Deus veio a nós em Jesus Cristo

A esperança cristã futura se fundamenta em uma lembrança histórica segura. Esta é a presencialização do Cristo de Deus, que veio ao nosso mundo. Ele faz de nossa vida a sua própria, transformando assim a terra num lugar de esperança. Tal fato diferencia a esperança cristã de todos os outros sonhos e temores futurísticos que ouvimos com frequência nos últimos dias.
Jesus Cristo se tornou extremamente próximo de mim quando procurei por Deus e não encontrei qualquer resposta. Assim, eu vim a crer em Deus por meio de Jesus Cristo. É por isso verdade quando digo: Sem Cristo, eu teria me tornado ateu. Pois partindo das experiências da história humana ou da contemplação da natureza, eu não teria a ideia que existe um Deus. Mais do que isto, não teria nunca pensado e crido que este Deus é amor e quer o nosso bem. Por causa de Cristo, comecei a crer em Deus. Dito de modo mais exato: Eu comecei a crer no Deus de Jesus Cristo. Este Deus que Jesus chamava de modo tão íntimo de Abba – Pai amado – e do qual anunciava aos pobres a chegada do reino. Sempre que penso em Cristo, sinto a proximidade de Deus e da vastidão de seu reino.
A primeira imagem pela qual fui achado por Cristo foi a imagem daquele que desesperançado, prisioneiro e torturado na cruz dos romanos, gritava por Deus. Eu me senti compreendido por ele como por um amigo que se torna partícipe em nosso destino. Cristo seguiu o caminho do sofrimento e do abandono para procurar pelas pessoas abandonadas e, assim, se tornar irmão delas. Isso me tocou de modo pessoal: Deus abandonou seu Cristo para que Ele viesse ao meu encontro no estado de abandono e me achasse. Descobri, assim, em seu destino, algo que ainda não tinha trabalhado em meu próprio destino. Algo de sua presença em minha própria vida.
Cristo socorre, Cristo salva. Ele não socorre, todavia, por meio de sua supremacia, mas sim, por sua solidariedade conosco em nossa impotência. “Pelas suas pisaduras, fomos sarados” é o que diz o profeta Isaías, referindo-se ao servo sofredor de Deus, o qual deverá redimir o mundo (Is 53.5).
“Somente o Deus que sofre pode socorrer” escreveu Dietrich Bonhoeffer na prisão. Deus socorre – primeiro e sempre – por meio de sua compaixão: “No mais profundo abismo, lá estás também” (Sl 139.8).

Deus veio a nós em Espírito

A esperança cristã do futuro se fundamenta na contemplação de Cristo e na experiência do Espírito vivificante. Nós não apenas relembramos a história de Cristo e esperamos pelo futuro de Deus. Nós já experimentamos também hoje “os poderes do mundo vindouro” (Hb 6.5). Essas são as “energias vitais” do Espírito Santo.
Mas quem é o Espírito Santo? O Espírito Santo é o Espírito da vida que vitaliza todas as coisas por ele tocadas. Ele é presença vital de Deus no mundo. O dom da presença deste Espírito de Deus é o que de maior e mais maravilhoso pode ser experimentado por todas as formas de vida, tanto em âmbito pessoal quanto comunitário. No Espírito Santo, não está presente um tipo qualquer de espírito entre tantos outros, mas Deus mesmo. O Deus vivo que é criador, libertador e salvador.
Onde está o Espírito, ali está Deus de modo especialmente presente. Não em uma forma de onipresença, mas na forma de automanifestação. E onde Deus se manifesta, ali Ele partilha de si mesmo. As energias criativas de sua vida eterna abundam e perpassam nossa vida mortal e a fazem, desde dentro, plenamente viva. Onde quer que sintamos o Espírito de Deus, ali nós experimentamos Deus. Como? Por meio de nossa vida vivida. Nós experimentamos a vida curada e redimida, amada e amável. Não experimentamos a vida apenas como uma nova espiritualidade do coração ou nova teologia da cabeça, mas com todos os nossos sentidos, como uma nova vitalidade da vida. Nós sentimos e degustamos, ouvimos, cheiramos e vemos nossa vida em Deus e Deus em nossa vida, assim como é dito em 1 João 1.1-2:
O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nosso próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna...).
Existem muitos nomes para este Espírito da vida porque existem variadas experiências de vida. Para mim, são os mais lindos os nomes de consolador e fonte de vida.
Na comunhão com Cristo, experimentamos as forças vitais do Espírito divino. Quem se tornou triste e sem participação em nada na vida, quem não sente mais em si qualquer vitalidade, deve se votar para o Cristo e experimentará a nova vitalidade do Espírito de Deus. A meu ver, esta constitui a nova sensualidade (referente aos sentidos) da vida e o vasto âmbito vital de Deus.
Assim como na experiência de uma grande tristeza nossos sentidos se apagam e não podemos mais ver qualquer cor, ouvir nenhum tom e perceber o paladar, parecendo mortos-vivos, assim também se abrem os nossos sentidos novamente quando respiramos o amor de Deus. Nós vemos de novo este mundo multicolorido, nós ouvimos novamente melodias, recuperamos nosso paladar e todos os sentimentos. Somos tomados por uma grande aceitação da vida, aceitação do Espírito vital divino.
Para o desenvolvimento desta nova vida, precisamos de um lugar espaçoso. ”Tu me pões num lugar espaçoso”. Este lugar espaçoso é o presente do Deus infinito, o qual cerca a nossa vida finita (Sl 139.5). A presença divina nos cerca por todos os lados. Isso nos permite desenvolver nossa vida finita para todos os lados. Nós podemos nos movimentar em Deus e Deus morar em nós. Deus não é somente uma pessoa com a qual podemos falar, mas também o espaço no qual podemos desenvolver nossas vidas. Segundo a tradição judaica, um dos nomes de Deus é Makom (espaço). Nós, seres humanos, damo-nos espaço mutuamente sempre que nos abrimos em amor e amizade mútuos e permitimos que os outros seres humanos tomem parte em nossa vida. Sem tal espaço livre na vida comunitária, não existe qualquer liberdade pessoal. O amor dá espaço e tempo para a liberdade. Onde quer que nós experimentemos este espaço livre, ai nós experimentamos a presença de Deus em nós.

Deus veio a nós em Glória

O Deus que nos foi mostrado por Cristo é o “Deus da Esperança”, como Paulo o chama em Romanos 15.13. Deus não é o eterno que está aqui, esteve aqui e aqui estará, mas o Deus que “vem” (Ap 1.4). Ele vem ao nosso encontro desde o seu futuro. Por isso é que o abrangente horizonte do futuro não é algo que se acrescente ao Cristianismo, mas seu elemento constitutivo. Crer significa viver na presença do Cristo ressuscitado e se deixar orientar pelo seu reino vindouro “assim na terra como no céu”. Nós vivemos na expectativa de sua vinda. Nós não aguardamos o seu “retorno”, mas vivemos cada dia na luz de sua vinda. Sobre nós brilha a estrela da promessa. A promessa de Deus é como a aurora que anuncia a chegada de um novo dia: o dia de Deus. “Vai alta a noite, e vem chegando o dia”, assim descreve Paulo a sensação cristã do tempo (Rm 13.12).
Que futuro pode preencher as promessas de Deus, nossas esperanças e as expectativas da terra? Deus vem para morar na terra com os seres humanos. A totalidade da criação se tornará, então, seu templo. O apocalipse descreve isto por meio da imagem da “Jerusalém divina”, a qual desce sobre a terra. Por conta dessa Schechinah de Deus, tudo precisa ser recriado e preparado. Então serão enxugadas todas as lágrimas, o sofrimento e pranto vão passar e a morte não existirá mais (Ap 21.5). Quando o divino estiver em tudo o que é terreno e tudo o que é terreno estiver em todo o divino, então a beleza divina fará todas as coisas resplandecerem. Esta é a plenificação da esperança histórica da humanidade e a consumação da criação. Em seguida, estará tudo criado como foi no princípio: a vida e a luz, as plantas e os animais e também os seres humanos.
Segundo 2 Pedro 3.12, devemos esperar e apressar o futuro de Deus. Isso soa contraditório, mas não o é. Vamos traduzi-lo em nossa experiência e em nossa língua:
Aguardar: é não se conformar às condições de injustiça e não reconhecer as forças daquilo que é factual, pois bem se sabe que alguma coisa melhor pode acontecer e algo diferente está por vir. Aguardar significa nunca se resignar, nem entregar-se a si mesmo. Poder aguardar – isto é uma arte da esperança. Paciência é a virtude da esperança. Aguardar significa viver em ansiosa atenção até a chegada da hora da consumação final. Poder aguardar é também fidelidade ao futuro prometido. “Senhor, Deus nosso, outros senhores têm tido domínio sobre nós; mas graças a ti somente é que louvamos o teu nome”, assim disse o povo de Deus prisioneiro quando do cativeiro babilônico (Is 26.13). E ele sobreviveu. Não existe nenhuma teologia da libertação sem esta teologia do cativeiro, como Rubem Alves notou bem.
Apressar: Aqui, o que se tem em mente é a superação da realidade presente e a antecipação do futuro do novo mundo de Deus, a cada passo e em cada ato nosso. Por meio de cada ato de justiça, preparamos o caminho da nova terra, onde reina a justiça. Faz-se justiça a quem sofre violência e brilha, então, o futuro de Deus em seu mundo. Engajamos-nos em favor de “órfãos e viúvas” e surge, então, um pouco mais de verdade em nosso mundo.
Conforme nós exploramos suas riquezas e forças vitais, a Terra geme com a violência e a injustiça. Ela aguarda por seu direito. Nós nos “apressamos” ao encontro do futuro de Deus quando antecipamos aquela justiça por meio da qual a “nova terra” deve surgir.
Aguardar e apressar: isto significa resistir e antecipar. Com isso, santificamos a vida e nos tornamos seres seguros do futuro de Deus. 

Fonte: Vida, esperança e justiça de Jürgen Moltmann. Editeo, 2008, pp. 12 - 17.




17.3.15

Liberdade e Segurança


A busca de dois valores, liberdade e segurança, ambos amplamente cobiçados, já que indispensáveis a uma vida digna e feliz, converge no atual discurso sobre a identidade. As duas linhas de busca notoriamente se evadem à coordenação, cada qual tende a conduzir a um ponto além daquele em que a outra busca se arrisca a ser travada, interrompida ou mesmo invertida. Embora não se possa conceber uma vida digna ou satisfatória sem uma mistura tanto de liberdade quanto de segurança, dificilmente se consegue um equilíbrio satisfatório entre esses dois valores: se as tentativas do passado, inumeráveis e invariavelmente frustradas, servem para alguma coisa, esse equilíbrio pode muito bem ser inalcançável. Um déficit na segurança repercute na angustiante incerteza (e agora fobia) de que o “excesso de liberdade” – beirando uma permissão para o “tudo é valido” – inevitavelmente será nutrido. Um déficit de liberdade, por outro lado, é vivenciado como um debilitante excesso de segurança (a que os sofredores dão o codinome de “dependência”).
O problema, porém, é que, quando falta segurança, os agentes livres são privados da confiança sem a qual dificilmente se pode exercer a liberdade. Sem uma segunda linha de trincheiras, poucas pessoas a não ser os aventureiros mais ousados têm coragem suficiente para enfrentar os riscos de um futuro desconhecido e incerto. Sem uma rede segura, a maioria se recusará a dançar na corda bamba e se sentirá profundamente infeliz se forçada a fazê-lo contra a vontade.
Quando, por outro lado, o que falta é a liberdade, a segurança parece escravidão ou prisão. Pior ainda, quando se é submetido a essa situação por muito tempo sem intervalo e sem ter experimentado um outro modo de ser, mesmo a prisão pode sufocar o desejo de liberdade, assim como a capacidade de praticá-la, e então se transformar no único hábitat aparentemente natural e habitável – não sendo mais percebida como opressiva. [...]
Qualquer aumento na liberdade pode ser traduzido como um decréscimo na segurança e vice-versa. As duas leituras se justificam, e qual delas se move para o centro da preocupação pública num determinado momento depende de outros fatores além dos elegantes argumentos apresentados para justificar a escolha. Mas as chances de um apoio à mudança no equilíbrio entre liberdade e segurança seriam maiores se a própria escolha fosse um exercício de liberdade. A abertura de perspectivas que um aumento da liberdade poderia trazer dificilmente seria visto como um bom negócio se esse acréscimo resultasse da falta de liberdade – se fosse imposto ou implementado sem consulta. Numerosos resultados de pesquisa confirmam a regra: quando as pessoas se ressentem de mudanças em suas condições de existência ou nas regras do jogo da vida, isso ocorre muito menos pelo desagrado em relação às novas realidades resultantes da mudança do que pela maneira como estas foram produzidas, ou seja, porque foram colocadas em pauta sem que se consultassem as pessoas.                            
Fonte: Livro Vida Líquida do sociólogo Zygmunt Bauman, publicado em 2005, pela editora Jorge Zahar.