28.4.11

A continuação da continuação

O primeiro problema é não começar coisa alguma. O segundo é começar e não ir adiante. O terceiro é começar, ir adiante por algum tempo e desistir pouco depois. Para quem já pôs de maneira correta as mãos no arado, o maior desafio é a continuação da continuação.

Primeiro, vem a descoberta da fé, a iniciação, o despertar, o abraçar, a conversão. Depois, vem a caminhada, a negação do eu, a renúncia do pecado, a obediência devida a Jesus Cristo, a continuação do compromisso, da nova vida, da nova experiência, da nova situação. Por último, vem a continuação da continuação.

Ao sair da prisão, Pedro bateu, altas horas da noite, à porta da casa de Maria, mãe de João Marcos. A empregada veio, mas não abriu a porta, e Pedro continuou a bater. Seguiu-se uma discussão entre a empregada e os irmãos que estavam ali a noite toda orando por Pedro. O apóstolo não desistiu e continuou a continuação, até que a porta se abriu (At 12.12-16). O mesmo aconteceu com o homem da parábola de Jesus que insistiu com o amigo até ele lhe emprestar três pães (Lc 11.5-8).

Embora Paulo se congratule com os coríntios, porque eles tinham aceitado o evangelho e continuavam firmes (1Co 15.1), no versículo seguinte o apóstolo chama a atenção para a continuação da continuação: “A mensagem que eu anunciei a vocês é o evangelho, por meio do qual vocês são salvos, se continuarem firmes nele” (15.2, NTLH). Antes de encerrar a carta, por mais duas vezes, Paulo exorta-os a continuarem firmes: “Continuem fortes e firmes” (15.58) e “Estejam alertas, fiquem firmes na fé, sejam corajosos, sejam fortes” (16.13, NTLH).

A continuação da continuação resolverá muitos problemas dos cristãos e da igreja. É essa falta de continuação, dia após dia, que arrefece a fé e o testemunho. Não há feriados nem férias para a continuação da continuação. A continuação é uma linha firme que liga o ontem ao hoje e o hoje ao dia final. A caminhada não é curta; ela é comprida e muito comprida. Jesus menciona essa continuação no sermão profético: “Todos odiarão vocês por serem meus seguidores, mas quem ficar firme até o fim será salvo” (Mc 13.13, NTLH). Não existem paradas ao longo do caminho. A única parada é o fim dos tempos, quando Jesus voltar, por ocasião da plenitude da salvação. A continuação da continuação descamba na consumação da história. Daí o conselho: “Nosso profundo desejo é que cada um de vocês continue com entusiasmo até o fim, para que, de fato, recebam o que esperam” (Hb 6.11, NTLH)!

Se houver alguma parada provocada por negligência ou pecado, a regra é: “Comecem de novo a viver uma vida séria e direita e parem de pecar!” (1Co 15.34, NTLH).

Jesus deixou claro que a continuação da continuação é um elemento importante na oração, como se pode ver na parábola da viúva persistente (Lc 18.1-6).

Fonte: Revista Ultimato Março-abril 2011

25.4.11

Faculdade particular gratuita!

O Centro Universitário São Camilo (na cidade de São Paulo) oferece gratuitametne os cursos de Filosofia e Pedagogia, as inscrições para o vestibular são aceitas entre 8 de abril e 12 de maio de 2011, o valor da inscrição é de R$ 70,00. Para obter mais detalhes acesse: http://www.saocamilo-sp.br/novo/graduacao/ 

Livros Disponiveis!

A lista atual (25-04-11) de livros da promoção Livro Livre é a seguinte:

A Arte de Escrever - Schopenhauer - L&PM Pocket

Comentário à Epístola de São Paulo aos Galatas - Charles R. Erdman - Casa Editora Presbiteriana
 
Curso Vida Nova de Teologia Básica: Filosofia - Jonas Madureira - Vida Nova

Elogio da Loucura - Erasmo de Roterdã - L&PM Pocket

Clarissa - Erico Verissimo - Editora Globo

Examinai as Escrituras Gênesis - Josué - J. Sidlow Baxter - Edições Vida Nova

A Metamorfose - Franz Kafka - Editora Brasiliense

Deus Negro - Neimar de Barros - O Recado Editora

A Teoria - Diversos Autores - FAAP

Instituições de Israel no Antigo Testamento - R. de Vaux - Edições Vida Nova
 
Em defesa de Cristo - Lee Strobel - Editora Vida
 
Paixão pelo Paradoxo uma Introdução a Kierkegaard - Ricardo Quadros Gouvêa - Fonte Editorial
 
O cristianismo é bom para o mundo - Cristopher Hitchens e Douglas Wilson -Garimpo Editorial.

23.4.11

Emprego de A a Z: Curso Técnico ou Faculdade?

O papel da mulher na conservação do meio ambiente

por Isabelle Ludovico da Silva

Deus criou uma natureza deslumbrante, uma profusão de formas, cores, cheiros, texturas, sabores e sons, para o nosso deleite. O ápice de sua criação foi o ser humano. Ele criou macho e fêmea à sua imagem e lhes deu autoridade sobre a terra. Porém, a ambição de ser igual a Deus os levou a usar o conhecimento a serviço desta ânsia pelo poder. Assim, rompeu-se a parceria com Deus, entre eles e com o resto da criação.
 
Adão assumiu o controle, chamou sua companheira Eva, que significa “mãe”, e a confinou ao espaço do lar, enquanto ele, sozinho, se encarregava de construir o mundo. Sua escolha por privilegiar o racional e o pragmático em detrimento do afetivo gerou um mundo muito desenvolvido do ponto de vista tecnológico, mas doente no aspecto relacional. O ser humano está desintegrado e construiu um sistema injusto em que a concentração de renda e poder produz cada vez mais excluídos, condenados à miséria. Os recursos naturais foram dilapidados para aumentar o lucro de alguns em detrimento da maioria, colocando em risco nossa própria sobrevivência.
 
A recente emancipação feminina abriu à mulher a possibilidade e a responsabilidade de afirmar a importância do ser humano e da paz, fruto da justiça. A vocação da mulher é gerar a vida e contribuir para sua conservação. Por meio da razão, o homem enxergou um mundo linear, fragmentado e excludente. Com os olhos do coração, a mulher apreende o mundo em sua totalidade, com todas as partes interligadas e interdependentes. Esta visão sistêmica é essencial para percebermos as consequências das nossas ações e precisa se traduzir em ações práticas. A pioneira do movimento ecológico foi uma mulher. Em 1962, Rachel Carson denunciou o efeito nefasto dos pesticidas em seu livro “Primavera Silenciosa”.
 
Morei um tempo em João Pessoa, na Paraíba, onde a natureza exuberante está sendo destruída pela ignorância e pela miséria. Pessoas sobrevivem enfiando a mão nos lixos domésticos com risco de ferir-se e contaminar-se. Vão jogando ao redor os restos, que o vento espalha. A caminho da praia, frequentemente encontrava fraldas sujas e plásticos que entopem o estômago das tartarugas que vêm desovar ali. Perto do Natal, fizemos um mutirão de limpeza e decoramos uma palmeira com a sucata que juntamos. Queríamos denunciar o descaso dos banhistas e a omissão da prefeitura. Aliás, diante da reivindicação por lixeiras, o prefeito declarou não gostar de lixeiras porque elas atraem lixo! O dono de um bar que fica em uma das dez praias mais lindas do Brasil respondeu que não precisa de lixeira porque o mar se encarrega de limpar!
 
A mulher acompanha a formação das crianças no dia-a-dia. É ela quem pode ensiná-las a não desperdiçarem a água do banho fechando a torneira enquanto se ensaboam e a fazerem as compras do supermercado com sacolas reutilizáveis. Parecem detalhes, mas pequenos atos praticados por muitos fazem uma grande diferença. É com nossas atitudes em relação ao semelhante e à natureza que demonstramos respeito, generosidade e solidariedade. Infelizmente, estes valores bíblicos geralmente são ignorados na igreja, onde focalizamos a moral sexual e nos esquecemos o chamado para sermos carvalhos de justiça, porta-vozes dos vulneráveis e mordomos dos recursos que Deus nos confiou para sinalizar o seu reino. Esta ética da reconciliação e do cuidado com o ser humano e com a natureza não é uma opção é a essência do cristianismo. “Ethos” significa “modo de viver”. A palavra nos lembra que, sem esta conversão, nossa oração é inútil.

Fonte: Revista Ultimato de maio-junho de 2009.


Isabelle Ludovico da Silva, francesa de nascimento e brasileira de coração, é psicóloga e terapeuta sistêmica. Aprendeu com a filha a separar o lixo e com o filho um estilo de vida mais simples.

O pastor herege


por Gerson Freitas Jr. 

‘Deus nos livre de um Brasil evangélico?’ Quem afirma é um pastor, o cearense Ricardo Gondim. Segundo ele, o movimento neopentecostal se expande com um projeto de poder e imposição de valores, mas em seu crescimento estão as raízes da própria decadência. Os evangélicos, diz Gondim, absorvem cada vez mais elementos do perfil religioso típico dos brasileiros, embora tendam a recrudescer em questões como o aborto e os direitos homossexuais. Aos 57 anos, pastor há 34, Gondim é líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista. E tornou-se um dos mais populares críticos do mainstream evangélico, o que o transformou em alvo. “Sou o herege da vez”, diz na entrevista a seguir.

Carta Capital: Os evangélicos tiveram papel importante nas últimas eleições. O Brasil está se tornando um país mais influenciável pelo discurso desse movimento?
RG: Sim, mesmo porque, é notório o crescimento no número de evangélicos. Mas é importante fazer uma ponderação qualitativa. Quanto mais cresce, mais o movimento evangélico também se deixa influenciar. O rigor doutrinário e os valores típicos dos pequenos grupos de dispersam, e os evangélicos ficam mais próximos do perfil religioso típico do brasileiro.

CC: Como o senhor define esse perfil?
RG: Extremamente eclético e ecumênico. Pela primeira vez, temos evangélicos que pertencem também a comunidades católicas ou espíritas. Já se fala em um “evangelicalismo popular”, nos modelos do catolicismo popular, e em evangélicos não praticantes, o que não existia até pouco tempo atrás. O movimento cresce, mas perde força. E por isso tem de eleger alguns temas que lhe assegurem uma identidade. Nos Estados Unidos, a igreja se apega a três assuntos: aborto, homossexualidade e a influência islâmica no mundo. No Brasil, não é diferente. Existe um conservadorismo extremo nessas áreas, mas um relaxamento em outras. Há aberrações éticas enormes.

CC: O senhor escreveu um artigo intitulado “Deus nos Livre de um Brasil Evangélico”. Por que um pastor evangélico afirma isso?
RG: Porque esse projeto impõe não só a espiritualidade, mas toda a cultura, estética e cosmovisão do mundo evangélico, o que não é de nenhum modo desejável. Seria a talebanização do Brasil. Precisamos da diversidade cultural e religiosa. O movimento evangélico se expande com a proposta de ser a maioria, para poder cada vez mais definir o rumo das eleições e, quem sabe, escolher o presidente da República. Isso fica muito claro no projeto da igreja Universal. O objetivo de ter o pastor no Congresso, nas instâncias de poder, pode facilitara expansão da igreja. E, nesse sentido, o movimento é maquiavélico. Se é para salvar o Brasil da perdição, os fins justificam os meios.

CC: O movimento americano é a grande inspiração para os evangélicos no Brasil?

RG: O movimento brasileiro é filho direto do fundamentalismo norte-americano. Os Estados Unidos exportam seu american way of life de várias maneiras, e a igreja evangélica é uma das principais. As lideranças daqui Ieem basicamente os autores norte-americanos e neles buscam toda a sua espiritualidade, teologia e normatização comportamental. A igreja americana é pragmática, gerencial, o que é muito próprio daquela cultura. Funciona como uma agência prestadora de serviços religiosos. de cura, libertação, prosperidade financeira. Em um país como o Brasil, onde quase todos nascem católicos, a igreja evangélica precisa ser extremamente ágil, pragmática e oferecer resultados para se impor. É uma lógica individualista e antiética. Um ensino muito comum nas igrejas é de que Deus abre portas de emprego para os fiéis.

Eu ensino minha comunidade a se desvincular dessa linguagem. Nós nos revoltamos quando ouvimos que algum político abriu uma porta para o apadrinhado. Por que seria diferente com Deus?

CC: O senhor afirma que a igreja evangélica brasileira está em decadência, mas o movimento continua a crescer.
RG: Uma igreja que, para se sustentar, precisa de campanhas cada vez mais mirabolantes, um discurso cada vez mais histriônico e promessas cada vez mais absurdas está em decadência. Se para ter a sua adesão eu preciso apelar a valores cada vez mais primitivos e sensoriais e produzir o medo do mundo mágico, transcendental, então a minha mensagem está fragilizada.

CC: Pode-se dizer o mesmo do movimento norte-americano?
RG: Muitos dizem que sim, apesar dos números. Há um entusiasmo crescente dos mesmos, mas uma rejeição cada vez maior dos que estão de fora. Hoje, nos Estados Unidos, uma pessoa que não tenha sido criada no meio e que tenha um mínimo de senso crítico nunca vai se aproximar dessa igreja, associada ao Bush, à intolerância em todos os sentidos, ao Tea Party, à guerra.

CC: O senhor é a favor da união civil entre homossexuais?
RG: Sou a favor. O Brasil é uni país laico. Minhas convicções de fé não podem influenciar, tampouco atropelar o direito de outros. Temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis. A nação tem de considerar essa demanda. E a igreja deve entender que nem todas as relações homossexuais são promíscuas. Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação estreita com a homossexualidade ou heterossexualidade.

CC: O senhor enfrenta muita oposição de seus pares?
RG: Muita! Fui eleito o herege da vez. Entre outras coisas, porque advogo a tese de que a teologia de um Deus títere, controlador da história, não cabe mais. Pode ter cabido na era medieval, mas não hoje. O Deus em que creio não controla, mas ama. É incompatível a existência  de um Deus controlador com a liberdade humana. Se Deus é bom e onipotente, e coisas ruins acontecem., então há aluo errado com esse pressuposto. Minha  resposta é que Deus não está no controle. A favela, o córrego poluído, a tragédia, a guerra, não têm nada a ver com Deus. Concordo muito com Simone Weil, uma judia convertida ao catolicismo durante a Segunda Guerra Mundial, quando diz que o mundo só é possível pela ausência de Deus. Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida.

CC: Mas os movimentos cristãos foram sempre na direção oposta.
RG: Não necessariamente. Para alguns autores, a decadência do protestantismo na Europa não é, verdadeiramente, uma decadência, mas o cumprimento de seus objetivos: igrejas vazias e cidadãos cada vez mais cidadãos, mais preocupados com a questão dos direitos humanos, do bom trato da vida e do meio ambiente.

Fonte: Carta Capital


21.4.11

Fogo estranho

O crente brasileiro sabe: vez por outra, a Igreja Evangélica brasileira é agitada por uma novidade. Pode ser a chegada de um novo movimento teológico, de uma doutrina inusitada ou mesmo de uma prática heterodoxa, daquelas que causam entusiasmo em uns e estranheza em outros. Quem frequentava igrejas nos anos 1980 há de se lembrar do suposto milagre dos dentes de ouro, por exemplo. Na época, milhares de crentes começaram a testemunhar que, durante as orações, obturações douradas apareciam sobrenaturalmente em suas bocas, numa espécie de odontologia divina. Muito se disse e se fez em nome dessa alegada ação sobrenatural de Deus, que atraiu muita gente aos cultos. Embora contestados por dentistas e nunca satisfatoriamente explicados – segundo especialistas, o amarelecimento natural de obturações ao longo do tempo poderia explicar o fenômeno, e houve quem dissesse que a bênção nada mais era que o efeito de sugestão –, os dentes de ouro marcaram época e ainda aparecem em bocas por aí, numa ou noutra congregação.

Outras manifestações nada convencionais sacudiram o segmento pentecostal de tempos em tempos. Uma delas era a denominada queda no Espírito, quando o fiel, durante a oração, sofria uma espécie de arrebatamento, caindo ao solo e permanecendo como que em transe. Disseminada a partir do trabalho de pregadores americanos como Benny Hinn e Kathryn Kuhlman, a queda no poder passou a ser largamente praticada como sinal de plenitude espiritual e chegou com força ao Brasil. A coqueluche também passou, mas ainda hoje diversos ministérios e pregadores fazem do chamado cair no poder elemento importante de sua liturgia. A moda logo foi substituída por outras, ainda mais bizarras, como a “unção do riso” e a “unção dos animais”. Disseminadas pela Comunhão Cristã do Aeroporto de Toronto, no Canadá, a partir de 1993, tais práticas beiravam a histeria coletiva – a certa altura do culto, diversas pessoas caíam ao chão, rindo descontroladamente ou emitindo sons de animais como leões e águias. Tudo era atribuído ao poder do Espírito Santo.

A chamada “bênção de Toronto” logo ganhou mundo, à semelhança das mais variadas novidades. Parece que, quando mais espetacular a manifestação, mais ela tende a se popularizar, atropelando até mesmo o bom senso. Mas o que para muita gente é ato profético ou manifestação do poder do Senhor também é visto por teólogos moderados como simples modismos ou – mais sério ainda – desvios doutrinários. Pior é quando a nova teologia é usada com fins fraudulentos, para arrancar uma oferta a mais ou exercer poder eclesiástico autoritário. “A Bíblia diz claramente que haverá a disseminação de heresias nos últimos dias, e não um grande reavivamento, como alguns estão anunciando”, alerta Araripe Gurgel, pesquisador da Agência de Informações Religiosas (Agir). Pastor da Igreja Cristã da Trindade, ele é especialista e seitas e aberrações cristãs e observa que cada vez mais a Palavra de Deus tem sido contaminada e pervertida pelo apelo místico. “Essa tipo de abordagem introduz no cristianismo heresias disfarçadas em meias-verdades, levando a uma religião de aparência, sensorial, sem a real percepção de Deus”, destaca.

“Não dá para ficar quieto diante de tanta bizarrice”, protesta o pastor e escritor Renato Vargens, da Igreja Cristã da Aliança, em Niterói (RJ). Apologista, ele tem feito de seu blog uma trincheira na luta contra aberrações teológicas como as que vê florescer, sobretudo, no neopentecostalismo. “Acredito, que, mais do que nunca, a Igreja de Cristo precisa preservar a sã doutrina, defendendo os valores inegociáveis da fé cristã. A apologética cristã é um ministério indispensável a saúde do Corpo de Cristo”. Na internet, ele disponibiliza farto material, como vídeos que mostram um pouco de tudo. Um dos mais comentados foi um em que um dos líderes do Ministério de Madureira das Assembleias de Deus, Samuel Ferreira, aparece numa espécie de arrebatamento sobre uma pilha de dinheiro, arrecadado durante um culto. “Acabo de ver no YouTube o vídeo de um falso profeta chamado reverendo João Batista, que comercializa pó sagrado, perfume da prosperidade e até um tal martelão do poder”. acrescenta Vargens.

Autor do recém-lançado livro Cristianismo ao gosto do freguês, em que denuncia a redução da fé evangélica a mero instrumento de manipulação, o pastor tem sido um crítico obstinado de líderes pentecostais que fazem em seus programas de TV verdadeiras barganhas em nome de Jesus. “O denominado apóstolo Valdomiro Santiago faz apologia de sua denominação, a Igreja Mundial do Poder de Deus, desqualificando todas as outras. E tem ensinado doutrinas absolutamente antibíblicas, onde o ‘tomá-lá-dá-cá’ é a regra”. Uma delas é o trízimo, em que desafia o fiel a ofertas à instituição 30% de seus rendimentos, e não os tradicionais dez por cento. A “doutrina das sementes”, defendida por pregadores americanos como Mike Murdoch e Morris Cerullo nos programas do pastor Silas Malafaia, também rendeu diversos posts. Segundo eles, o crente deve ofertar valores específicos – no caso, donativos na faixa dos mil reais – em troca de uma unção financeira capaz de levá-lo à prosperidade. “Trata-se de um evangelho espúrio, para tirar dinheiro dos irmãos”, reclama Vargens. “Deus não é bolsa de valores, nem se submete às nossas barganhas ou àqueles que pensam que podem manipular o sagrado estabelecendo regras de sucesso pessoal.
 
Crise teológica – Numa confissão religiosa tão multifacetada em suas expressões e diversa em termos de organização e liderança, é natural que o segmento evangélico sofra com a perda de identidade. O próprio conceito do que é ser crente no país – tema de capa da edição nº 15 de CRISTIANISMO HOJE – é extremamente difuso. E muitas denominações, envolvidas em práticas heterodoxas, vez por outra adotam ritos estranhos à tradição protestante. Joaquim de Andrade, pastor da Igreja Missionária Evangélica Maranata, do Rio, é um pesquisador de seitas e heresias que já enfrentou até conflitos com integrantes de outras crenças, como testemunhas de Jeová e umbandistas. Destes tempos, guarda o pensamento crítico com que enxerga também a situação atual da fé evangélica: “Vivemos uma verdadeira crise teológica, de identidade e integridade. Os crentes estão dando mais valor às manifestações espirituais do que à Palavra de Deus”.

Neste caldo, qualquer liderança mais carismática logo conquista seguidores, independentemente da fidelidade de sua mensagem à Bíblia. “Manifestações atraem pessoas. O próprio Nicodemos concluiu que os sinais que Cristo operou foram além do alcance do povo, mas não temos evidência de que ele tenha mesmo se convertido”, explica o pastor Russel Shedd, doutor em teologia e um dos mais acreditados líderes evangélicos em atuação no Brasil. Ele refere-se a um personagem bíblico que teve importante discussão com Jesus, que ao final admoestou-lhe da necessidade de o homem nascer de novo pela fé. “Líderes que procuram vencer a competição entre igrejas precisam alegar que têm poder”, observa, lembrando que a oferta do sobrenatural precisa atender à imensa demanda dos dias de hoje. “Mas poder não salva nem transmite amor”, conclui.

“A busca pela expansão evangélica traz consigo essa necessidade de aculturação e, na cultura religiosa brasileira, nada mais puro do que a mistura”, acrescenta o pastor Fabrício Cunha, da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo. “O candomblé já fez isso, usando os símbolos do catolicismo; o espiritismo, usando a temática cristã; e agora, vêm os evangélicos neopentecostais, usando toda uma simbologia afro e um misticismo pagão”, explica. Como um dos coordenadores do Fórum Jovem de Missão Integral e membro da Fraternidade Teológica Latinoamericana, ele observa que mesmo os protestantes são fruto de uma miscigenação generalizada, o que, no campo da religião, tem em sua gênese um alto nível de sincretismo.
Acontece que, em determinadas comunidades cristãs, alguns destes elementos precisam ser compreendidos como estratégias de comunicação e atração de novos fiéis. Aí, vale tanto a distribuição de objetos com apelo mágico, como rosas ungidas ou frascos de óleo, como a oferta de manifestações tidas como milagrosas, como o já citado dente de ouro ou as estrelinhas de fogo – se o leitor ainda não conhece, saiba que trata-se de pontos luminosos que, segundo muitos crentes, costumam aparecer brilhando em reuniões de busca de poder, sobretudo vigílias durante a noite ou cultos realizados nos montes, prática comum nas periferias de grandes cidades como o Rio de Janeiro. O objetivo das tais estrelinhas? Ninguém sabe, mas costuma-se dizer que é fogo puro, assim como tantas outras manifestações do gênero.

“Alguns desses elementos são resultado de um processo de sectarização religiosa”, opina o teólogo e mestre em ciências da religião Valtair Miranda. “Ou seja, quanto mais exótico for a manifestação, mais fácil será para esse líder carismático atrair seguidores para seu grupo”. Miranda explica que, como as igrejas evangélicas, sobretudo as avivadas, são, em linhas gerais, muito parecidas, o que os grupos sectários querem é se destacar. “Eles preconizam um determinado tópico teológico ou passagem bíblica, e crescem em torno disso. Objetos como lenços ungidos, medalhas, sal ou sabonete santificados são exemplos. Quanto mais diferente, maior a probabilidade de atrair algum curioso”. A estratégia tende a dar resultado quando gira em torno de uma figura religiosa carismática. “Sem carisma, estes elementos logo provocam sarcasmo e evasão”, ressalva. O estudioso lembra o que caracteriza fundamentalmente um grupo sectário – o isolamento. “Uma seita precisa marcar bem sua diferença para segurar seu adepto. Quanto mais ele levantar seus muros, mais forte será a identidade e a adesão do fiel.”

“Propósito de Deus”Mas quem faz das manifestações do poder do Espírito Santo parte fundamental de seu ministério defende que apenas milagres não bastam. “É necessário um propósito e uma mudança de vida”, declara o bispo Salomão dos Santos, dirigente da Associação Evangélica Missionária Ministério Vida. Como ele mesmo diz, trata-se de uma igreja movida pelo poder da Palavra de Deus, “que crê que Jesus salva, cura, liberta e transforma vidas”. O próprio líder se diz um fruto desse poder. Salomão conta que já esteve gravemente doente, sofrendo de hepatite, câncer e outras complicações que a medicina não podia curar. “Cheguei a morrer, mas miraculosamente voltei à vida”, garante o bispo, dizendo que chegou a jazer oito horas no necrotério de um hospital. “Voltei pela vontade de Deus”, comemora, cheio de fé.

Consciente, Salomão diz que milagres e manifestações naturais realmente acontecem, mas “somente para a exaltação e a glória do Senhor, e não de homens ou denominações”. O bispo também observa que alguns têm feito do poder extraordinário de Jesus uma grande indústria de milagres: “O Senhor não dá sua glória para ninguém. Ele opera maravilhas através da instrumentalidade de nossas vidas”. E faz questão de reiterar a simplicidade com que Jesus viveu sua vida terrena e que, muitas vezes, realizou grandes milagres sem nenhum alarde. “O agir de Deus não é um espetáculo.” (Colaborou Carlos Fernandes)

Sangue fajuto
A novidade chama a atenção pelo seu aspecto bizarro. Num templo da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), fiéis caminham através de pórticos representando diversos aspectos da vida (“Saúde financeira”, “Família”, “Finanças”). Até aí, nada demais – os chamados atos proféticos como este são comuns na denominação. O mais estranho acontece depois. Caracterizados como sacerdotes do Antigo Testamento, pastores da Universal recebem as pessoas e, sobre um pequeno altar estilizado, fazem um “sacrifício de sangue”. A nova prática vem ganhando espaço nos cultos da Iurd, igreja que já introduziu no neopentecostalismo uma série de elementos simbólicos. Tudo bem que o sangue não é real (trata-se de simples tinta), mas a imolação simulada vai contra tudo o que ensina o Novo Testamento, segundo o qual Jesus, o Cordeiro de Deus, entregou-se a si mesmo como supremo e definitivo sacrifício pela humanidade. Com sangue puro, e não cenográfico.

19.4.11

A preocupação com o neopentecostalismo

Ao chegar à cidade mineira de Ouro Preto, iniciei uma conversa com o gerente de um hotel próximo à igreja onde eu esperava por um amigo pastor. Ao descobrir que eu era pastor, o gerente me disse, com entusiasmo, que também era evangélico e fora batizado naquele dia. Perguntei a qual igreja pertencia e ele me contou que era da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Depois de cumprimentá-lo pelo batismo, perguntei ao meu “novo amigo evangélico” se ele tinha certeza de estar andando na graça de Deus e se estaria com o Senhor quando morresse. Ele respondeu rapidamente: “Oh, como eu gostaria de saber isso!”.

Infelizmente, esse diálogo aconteceu várias vezes em minhas conversas com evangélicos, especialmente neopentecostais. Geralmente, o neopentecostalismo é caracterizado por alguns elementos: a proeminência da teologia da prosperidade, uma ênfase extremada na guerra espiritual, a liberalização dos usos e costumes e a redução dos laços fraternais entre os membros da congregação. Dos 17,6 milhões de evangélicos autodeclarados no censo de 2000, quase sete em cada dez são pentecostais. No entanto, é difícil determinar o número exato de neopentecostais, pois o pentecostalismo de “terceira onda” é um movimento e não se encontra agrupado em apenas uma denominação. Alguns estimam que os adeptos representem mais de 42% da população pentecostal em geral. No entanto, a porcentagem pode ser mais elevada, pois seus ensinamentos e práticas fluem para outras igrejas pentecostais, bem como para igrejas históricas.

Após desconfiar que a maior parte dos seguidores e líderes neopentecostais compreendia pouco da mensagem evangélica de salvação (conforme revelada nas Escrituras e confirmada pelos reformadores), fiquei profundamente perturbado. Tal situação me motivou a estudar a IURD, a mais conhecida denominação neopentecostal. Desde seu início, em 1977, ela avançou para mais de 2,1 milhões de fiéis no Brasil. Sem dúvida, a influência numérica aumenta quando se incluem os milhões de visitantes das quase 5 mil igrejas afiliadas e os que acompanham seus programas de rádio e televisão. Além disso, seus líderes declaram ter espalhado sua presença em 172 países -- mais do que os alcançados pelo McDonald’s. Por essa razão, o sociólogo Paul Freston acredita que a IURD possivelmente seja a maior exportação cristã vinda de um país do terceiro mundo.

Minhas leituras do bispo Edir Macedo e as leituras de outros estudiosos confirmaram as preocupações com a IURD e outros segmentos neopentecostais. O pastor Luiz Sayão, por exemplo, observou um considerável abismo entre o que a IURD e denominações similares ensinam e o que a maioria consideraria evangélico. Observei também que a liderança da IURD promove um sistema religioso que aprisiona seus participantes em uma cosmovisão animista não-redimida e narcisista, o que é claramente proibido pelas Escrituras.

Ainda mais preocupante é o fato de a mensagem da salvação eterna ser não apenas negligenciada, mas também totalmente distorcida. As obras e os rituais organizacionais prescritos são misturados à determinação de uma pessoa quanto à salvação. Portanto, é compreensível que a maioria na IURD deixe de mencionar o nome de Jesus ao expressar a razão de sua salvação. Tal omissão revela um dilema evangélico grave, pois como uma pessoa pode ser salva sem ao menos fazer menção a Jesus?

Durante a pesquisa, me perguntei: “Existe alguém realmente salvo na IURD?”. Minha conclusão é: se existe, não é por causa da igreja, mas apesar dela.

A proliferação de tais grupos sob a bandeira evangélica tem contribuído para o que chamo de uma crise soteriológica no Brasil, imunizando muitos contra o evangelho, embora pensem ser crentes. Mesmo assim, muitos líderes evangélicos falham em excluí-los do campo evangélico. Nesse ponto, a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) tem sido um exemplo de como acessar, discernir e advertir, de maneira pastoral, seus membros. Em 2007, o Supremo Concílio produziu uma edição revisada de sua avaliação sobre a IURD e pontuou como as igrejas deveriam responder a ela e a grupos similares.
Na lista consta que as igrejas afiliadas devem explicar cuidadosamente o evangelho aos ex-participantes da IURD e rebatizá-los antes de recebê-los como membros. Além disso, os membros e pastores da IPB devem evitar a participação em eventos organizados pela IURD ou com a colaboração de seus líderes.

À luz de tais observações, como nós, crentes e igrejas evangélicas, deveríamos responder biblicamente à IURD e a grupos similares? Primeiro, seguindo o exemplo de nosso Senhor (Mt 9.36), devemos mostrar compaixão e interesse pelas pessoas enganadas que estão sob sua influência. Segundo, como líderes, devemos constantemente lembrar os membros o que está envolvido na mensagem do evangelho e da fé salvífica, bem como mostrar o que está fora do cristianismo bíblico (1Co 15.1-19; Gl 1, 2). Terceiro, devemos verbalizar com sabedoria para a sociedade brasileira o que queremos dizer ao nos declararmos evangélicos. Quarto, seguindo o exemplo dos apóstolos, devemos denunciar os falsos profetas entre nós; Jesus foi compassivo com os enganados, mas duro como os enganadores. Finalmente, devemos orar e buscar oportunidades para compartilhar, pacientemente, com as pessoas que estão sob influência desses grupos a fim de que elas vejam a graça e a salvação do Senhor por meio do evangelho de Jesus Cristo.

David Allen Bledsoe é missionário batista da International Mission Board em Belo Horizonte e coordenador do projeto e parcerias teológicas no Brasil para o Southeastern Baptist Theological Seminary. Este artigo é um resumo de sua tese de doutorado na Universidade da África do Sul, em Pretória (2010).

18.4.11

A integridade do evangelho: uma avaliação do neopentecostalismo

Alderi Souza de Matos

Elas ocupam um enorme espaço na televisão aberta, chegando a milhões de lares brasileiros todos os dias. As três mais conhecidas e salientes têm nomes parecidos — Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus e Igreja Mundial do Poder de Deus. Esses nomes apontam para objetivos ousados e ambiciosos. Seus líderes máximos adotam, respectivamente, os títulos de bispo, missionário e apóstolo. Elas são o fenômeno mais recente, intrigante e explosivo do “protestantismo” tupiniquim. Trata-se das igrejas neopentecostais, denominadas por alguns estudiosos “pentecostalismo autônomo”, em virtude de seus contrastes com os grupos mais antigos desse movimento.

É difícil categorizá-las adequadamente, não só por serem ainda recentes, mas porque, ao lado de alguns traços comuns, também apresentam diferenças significativas entre si. A Igreja Mundial investe fortemente na cura divina. Seu apóstolo garante que ninguém realiza mais milagres do que ele. Seu estilo é personalista e carismático. Caminha no meio dos fiéis, deixa que as pessoas recolham o suor do seu rosto para fins terapêuticos, às vezes é ríspido com os auxiliares. O missionário da Igreja Internacional é simpático e bonachão; parece um pastor à moda antiga. É também polivalente: prega, canta, conta piadas, anuncia produtos e serviços. Controla com rédea curta o seu pequeno império. Todavia, nenhuma dessas igrejas vai tão longe na ruptura de paradigmas quanto a IURD. Dependendo do ângulo de análise, parece protestante ou católica. Seu carro-chefe é a teologia da prosperidade. Defende sem pejo a ética da sociedade de consumo. Seu líder está entrando na lista dos homens mais ricos do país.

Desde o início, o cristianismo tem exibido uma grande variedade de manifestações, algumas bastante inusitadas. Foi o caso do gnosticismo e do marcionismo nos primeiros séculos, das seitas apocalípticas na Idade Média e de alguns grupos resultantes dos reavivamentos nos Estados Unidos do século 19. Porém, nenhum movimento tem sido tão pródigo em termos de quantidade e diversidade de ramificações quanto o pentecostalismo contemporâneo. No atual ambiente pluralista e inclusivista, muitos observadores vêem nessa multiplicidade um sinal de vitalidade, de dinamismo. Todavia, há sinais preocupantes nos ensinos e práticas de certos grupos. Na célebre Confissão de Fé de Westminster (1647), os puritanos ingleses colocaram a questão em termos de diferentes graus de pureza das igrejas cristãs — cap. 25.4,5 (igrejas mais puras e menos puras). Uma avaliação simpática e honesta das igrejas neopentecostais aponta para alguns aspectos que precisam ser reconsiderados a fim de que elas se tornem genuínos instrumentos do evangelho de Cristo.

O problema hermenêutico
Uma grave deficiência dessas novas igrejas está na maneira como interpretam a Bíblia. Os reformadores protestantes insistiram no valioso, porém arriscado, princípio do “livre exame das Escrituras”, ou seja, de que todo cristão tem o direito e o dever de ler e estudar por si mesmo a Palavra de Deus. Acontece que muitos viram nisso uma licença para a livre interpretação do texto sagrado, o que nunca esteve na mente dos líderes da Reforma. Eles lutaram contra uma abordagem individualista e tendenciosa da Escritura, insistindo na adoção de princípios equilibrados de interpretação que levavam em conta o sentido literal e gramatical do texto, a intenção original do autor, o contexto histórico das passagens e também a tradição exegética da igreja. Por essas razões, eles rejeitaram o antigo método de interpretação alegórica, isto é, a busca de sentidos múltiplos na Escritura, por entenderam que ela obscurecia e distorcia a mensagem bíblica.

Em muitas igrejas neopentecostais nada disso é levado em consideração. A Bíblia se torna um joguete, uma peteca lançada para lá e para cá ao sabor das conveniências. Tomam-se diferentes declarações, episódios e símbolos bíblicos e, sem esforço algum de interpretação, passa-se diretamente para a aplicação, muitas vezes de uma maneira que nada tem a ver com o propósito original da passagem. O que é ainda mais grave, os textos bíblicos são usados de modo mágico, como se fossem amuletos ou talismãs, como se tivessem um poder imanente e intrínseco. A Bíblia é encarada prioritariamente como um livro de promessas, de bênçãos, de fórmulas para a solução de problemas, e não como a revelação especial na qual Deus mostra como as pessoas devem conhecê-lo, relacionar-se com ele e glorificá-lo.

Uma nova linguagem
Na sua releitura da Bíblia, os neopentecostais por vezes criam uma nova terminologia, muito diferente dos conceitos bíblicos tradicionais. Privilegiam-se expressões como “exigir nossos direitos”, “manifestar a fé”, “declarar a bênção”, todos os quais apontam para uma espiritualidade antropocêntrica, ou seja, voltada para as necessidades, desejos e ambições dos seres humanos, e não para a vontade e a glória de Deus. Alguns dos temas bíblicos mais profundos e solenes redescobertos pelos reformadores do século 16 são quase que inteiramente esquecidos. Não mais se fala em pecado, reconciliação, justificação pela fé, santificação, obediência. O evangelho corre o risco de ficar diluído em uma nova modalidade de auto-ajuda psicológica, deixando de ser “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”.

O conceito de fé talvez seja aquele que esteja sofrendo as maiores distorções. No discurso de muitas igrejas do pentecostalismo autônomo, a fé se torna uma espécie de poder ou varinha de condão que as pessoas utilizam para obter as bênçãos que desejam. Deus fica essencialmente passivo até que seja acionado pela fé do indivíduo. É verdade que Jesus usou uma linguagem que aparentemente aponta nessa direção (“tudo é possível ao que crê”, “vai, a tua fé te salvou”). Mas o conceito bíblico de fé é muito mais amplo, a ênfase principal estando voltada para um relacionamento especial entre o crente e Deus. Ter fé significa acima de tudo confiar em Deus, depender dele, buscar a sua presença, aceitar como verdadeiras as declarações da sua Palavra. O objeto maior da fé não são coisas, mas uma pessoa — o Deus trino.

Fundamento questionável
A teologia da prosperidade, que serve de base para boa parte da pregação e das práticas neopentecostais, é uma das mais graves distorções do evangelho já vistas na história cristã. Essa abordagem teve início nos Estados Unidos há várias décadas, sob o nome de “health and wealth gospel”, ou seja, evangelho da saúde e da riqueza. No neopentecostalismo, essa se torna a principal chave hermenêutica das Escrituras. Tudo passa a ser visto dessa perspectiva reducionista acerca do relacionamento entre Deus e os seres humanos. O raciocínio é que Cristo, através da sua obra na cruz, veio trazer solução para todos os tipos de problemas humanos. Na prática, acaba se dando maior prioridade às carências materiais e emocionais, em detrimento das morais e espirituais, muito mais importantes.

Tradicionalmente, as maiores bênçãos que o homem podia receber de Deus incluíam o perdão dos pecados, a reconciliação, a paz interior e, num sentido mais amplo, a salvação. Dentro da nova perspectiva teológica, as coisas mais importantes que Deus tem a oferecer são um bom emprego, estabilidade financeira, uma vida confortável, felicidade no amor e coisas do gênero. É uma nova versão da tese do sociólogo alemão Max Weber, segundo o qual os calvinistas buscavam no sucesso econômico a evidência da sua eleição. Os problemas da teologia da prosperidade são diversos: (a) falta de suporte bíblico — a Escritura aponta na direção oposta, mostrando a armadilha em que caem os que se preocupam com as riquezas; (b) empobrecimento da relação com Deus, concebida em termos interesseiros e mercantilistas; (c) incentivo a atitudes de individualismo, egocentrismo e falta de solidariedade; (d) tendência para a alienação quanto aos problemas da sociedade.

Conclusão
O neopentecostalismo representa um grande desafio para as igrejas históricas e mesmo para as pentecostais clássicas. Esse movimento tem encontrado novas formas de atrair as massas que não estão sendo alcançadas pelas igrejas mais antigas. Nem todos os grupos padecem dos males apontados atrás. Muitas igrejas neopentecostais são modestas, evangelizam com autenticidade e não se rendem à tentação dos resultados rápidos, dos projetos megalomaníacos e dos métodos incompatíveis com o evangelho. O grande problema está nas megaigrejas e seus líderes centralizadores, ávidos de fama, poder e dinheiro. Estes precisam arrepender-se e voltar às prioridades da mensagem cristã, buscando em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, para que então as demais coisas lhes sejam acrescentadas. 

Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil.

17.4.11

O Herege!

Uma Epopeia Abandonada

por Robson Cavalcante

Dividimos a história do protestantismo no Brasil em três períodos: o consenso, o dissenso e o confuso. A Era do Consenso (1855-1960) foi marcada pelas igrejas históricas de missão: congregacionais, presbiterianas, metodistas, batistas e episcopais (anglicanas), únicas no início, hegemônicas depois. Sob restrições de direitos no Império e discriminações e perseguições na República, os pioneiros adentraram o país ao lombo de burro, pregaram o evangelho, distribuíram Bíblias, fundaram igrejas e colégios, iniciando uma saga memorável. Essa epopeia se dá em um consenso evangélico da Reforma, e de movimentos como o puritanismo, o pietismo, os avivamentos e as missões. Movia-se pelo idealismo de uma fé superior, da democracia e do progresso. Une-se no apoio à Escola Bíblica Dominical, e na criação da Confederação Evangélica (1934-1964), quando o espírito do Congresso do Panamá prevalece sobre o Congresso de Edimburgo (1910), afirmando a América Latina como campo missionário. Restrições e dificuldades não impedem o crescimento quantitativo e qualitativo, o treinamento de líderes, a produção de um pensar nacional, a afirmação da ética, quando todos (salvo aspectos secundários) anunciavam a mesma mensagem.

A chegada posterior do pentecostalismo não trouxe alterações na hegemonia dos históricos, em virtude do seu, então, isolacionismo. A Igreja Romana ia do regalismo, do ultramontanismo, e do integrismo (triunfalista) ao humanismo integral da Ação Católica. A presença do presidente Kubitschek no centenário do presbiterianismo, em 1959, e o encher do estádio do Maracanã no encerramento do encontro da Aliança Batista Mundial, em 1960, sinalizavam a consolidação do projeto e da presença protestante no Brasil. A Era do Dissenso (1961-1990) viu as igrejas refletirem a Guerra Fria, as divisões entre esquerda e direita, e entre tradicionais, renovados e ecumênicos. A pneumatologia, com o movimento de renovação espiritual, fragmentou as igrejas históricas. O Golpe Militar teve um forte rebatimento no espaço eclesial, aprofundando nflitos, desmobilizando projetos, fomentando a alienação. A Confederação Evangélica órgão aglutinador e representativo é fechada. O fundamentalismo, antes marginal, cresce. Ao pentecostalismo de línguas se soma o de curas, menos isolacionista. O espírito do Congresso de Lausanne não emplaca. Uma amnésia histórica é promovida, quanto à dimensão social, cultural e política. As ações unificadoras ainda se dão via entidades paraeclesiásticas (ABU, MPC, Vinde, FTL, CBE). Há um lento e doloroso retorno das novas gerações aos espaços públicos: anistia, constituinte, diretas já, campanha presidencial de 1989. O protestantismo amplia a sua presença em termos geográficos e de segmentos sociais. A polêmica sobre a pessoa e a obra do Espírito Santo reflui, com muitos históricos aceitando a contemporaneidade dos dons, e renovados e pentecostais revalorizando a história e a teologia. O pensamento norte-americano mais conservador invadiu nossas livrarias e seminários, atrofiando a reflexão nacional. A presença de líderes mais velhos e de alguns novos, ainda concede uma imagem de seriedade e de dignidade, mas o dissenso vai substituindo o consenso. A Igreja Romana conhecera o Concílio Vaticano II, com um misto de renovação, insegurança e divisões, e ia do aplauso ao Golpe Militar à militância de esquerda com a Teologia da Libertação. A atual Era do Confuso (1991-?) assistiu à rápida expansão das seitas paraprotestantes pseudo(neo)pentecostais, da teologia da prosperidade e da batalha espiritual, do G-12, dos “decretos”, dos “apóstolos” e “bispos”, do “gospel”, do mercado religioso, da falta de ética, e de uma miríade de novidades, redes, métodos e macetes importados e pragmáticos, com o saber moderno substituído pelo sentir pós-moderno, individualista, subjetivista e de resultados, ao lado do sincretismo dos “encostos” e dos “descarregos”. Depois de um quarto de século do fim da Confederação Evangélica, se buscou a criação de um novo órgão aglutinador: a Associação Evangélica Brasileira (AEVB), quando as diferenças tinham se aprofundado e a fragmentação institucional (denominações e “ministérios”) atingido níveis escandalosos.

Refletindo o personalismo da época, a AEVB foi montada em torno de um líder carismático e não de uma liderança coletiva. A crise do líder feriu de morte a instituição. Instalou-se, mais ainda, o caos, onde todos falam para alguns. O liberalismo teológico dominou algumas igrejas (IECLB, IEAB), cresceu a presença em outras, com setores do evangelicalismo abjurando de suas origens, e lideranças com suas convicções abaladas e “batendo fofo” diante da agenda GLSTB. Cresceu o misticismo nas massas e o secularismo nas elites. A Igreja Romana reprimiu a Teologia da Libertação e promoveu a Renovação Carismática. O Protestantismo deu lugar a protestantismos e “protestantismos”. A epopeia, inacabada, foi abandonada. Porém, para o remanescente fiel, a saga prossegue!

• Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/321/uma-epopeia-abandonada/epop%E9ia

16.4.11

Emprego de A a Z: F de Formação

Saneamento ambiental: desafio missionário urbano

Flávio Conrado
Marcus Vinícius Matos

Nos últimos anos, popularizou-se bastante o conceito de “desenvolvimento sustentável”como paradigma emergente que nos livrará da crise civilizacional atual. Normalmente, o relacionamos à necessidade de cuidar do meio ambiente. Entretanto, é importante compreendê-lo também em termos sociais e econômicos, como foi afirmado pela Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento a ECO-92 e reafirmado pela Declaração da Cúpula Mundial de Joanesburgo, em 2002.

O “saneamento” é um dos desafios que se relacionam com a noção holística de sustentabilidade e que refletem processos nos quais a combinação de ausência de políticas públicas e altos índices de desigualdade social produz impactos negativos sobre a saúde e o meio ambiente. Renomeado “saneamento ambiental”, o desafio se refere ao acesso à água encanada e potável, ao tratamento de esgoto sanitário, à coleta de lixo e ao tratamento de resíduos em aterros sanitários.

A situação do saneamento ambiental no Brasil é caótica e traz sérios riscos à população e à preservação do meio ambiente. Dados da ONU, do IBGE e da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento alertam que, nas regiões urbanas do país, mais de 93 milhões de pessoas não têm esgoto tratado pelas redes públicas, cerca de 83 milhões não têm acesso a rede de esgotos sanitários adequados e 36% dos distritos abastecidos recebem água sem tratamento. Dados como esses deveriam nos estimular a considerar o saneamento ambiental como um dos principais desafios missionários nas cidades brasileiras.

Em resposta ao chamado bíblico de orar e procurar o bem-estar (“shalom”) da cidade (Jr 29.7), as igrejas poderiam começar a agir de forma prática de várias maneiras: 1) incluir o tema nos encontros de oração e nos currículos de suas escolas bíblicas; 2) criar equipes missionárias para identificar no bairro os domicílios não atendidos pelos serviços públicos de água, esgoto, lixo e tratamento de resíduos; 3) promover assembleias nas quais os gestores públicos sejam convidados a explicar a ausência de equidade e justiça; 4) colaborar com mutirões de limpeza de rios e lagoas; 5) implementar um programa de educação ambiental para conscientizar a população sobre o uso responsável da água e a importância da coleta seletiva.

A Rede FALE (www.fale.org.br) elegeu o saneamento ambiental como tema prioritário, nos últimos dois anos, para mobilizar a juventude evangélica a orar e atuar nos níveis local, estadual e nacional. Em 2009, a rede se mobiliza para transformar a realidade da comunidade de Grota Criminosa, na cidade de Marabá, PA. No cartão que promove a campanha, lê-se: “No município de Marabá, os serviços de saneamento não chegam à maioria das casas. Os rios são diariamente poluídos com lixo e esgoto. A população que vive em torno da Grota Criminosa é uma das que mais sofrem. Várias obras já foram realizadas no local. Contudo, a maior parte delas é feita de forma desordenada, sem consultar a população e sem compromisso com a restauração do meio ambiente. É preciso curar a Grota.”

É preciso curar as Grotas do Brasil. Já é tempo de as igrejas evangélicas despertarem para mais esse desafio missionário urbano.

Fonte: Revista Ultimato de março-abril de 2009.

Flávio Conrado é pesquisador do Instituto Superior de Estudos da Religião, membro da Rede Fale e pós-doutorando na Universidade de Montreal, no Canadá.

Marcus Vinícius Matos é secretário-executivo da Rede Fale e mestrando em teorias jurídicas contemporâneas na UFRJ.

Teólogo de seu tempo, profeta da alma

Por Marcos Stefano

Por diversas vezes, a Bíblia fala de profetas não apenas como homens que previam o futuro – mas também em referência àqueles com capacidade de discernir seu próprio tempo e chamar as pessoas à ação. Neste sentido, o cientista social Os Guinness bem pode ser considerado um profeta dos nossos dias. Filho de missionários ingleses, Guinness nasceu na China de cultura budista durante a Segunda Guerra Mundial. Com o advento do regime comunista, teve que partir para a Europa. Ali, na Universidade de Oxford, no Reino Unido, teve contato com a contracultura e o secularismo. No meio do caldeirão de manifestações filosóficas e comportamentais, Guinness conheceu Jesus Cristo como Salvador. Foi a partir dali que sentiu-se motivado a colaborar para pôr ordem no caos de uma era de confusão moral. “Apenas o cristianismo dá uma visão de mundo que oferece soluções coerentes e definitivas para as incertezas que estamos atravessando”, pontifica o estudioso. “Por isso, o cristão não pode ter medo de engajar-se no debate dos problemas mundiais”, diz ele.
Hoje morando nos Estados Unidos e com mais de vinte obras de grande sucesso internacional publicadas, Os Guinness se tornou um dos principais apologistas cristãos da atualidade. Com uma bagagem que poucos têm, ele consegue fazer pontes entre as áridas e complicadas teses acadêmicas e a prática diária. Em setembro, Os Guinness esteve pela primeira vez no Brasil a convite da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, para participar de um congresso internacional sobre ética, cidadania, religião e cultura. Durante um intervalo entre as muitas palestras sobre os efeitos da globalização e de como pode ser repensada a relação entre a vida pública e a religião, ele recebeu CRISTIANISMO HOJE para esta entrevista exclusiva:

CRISTIANISMO HOJE – Como o senhor define “a jornada”, um conceito que tem utilizado em seu livro O chamado? Ela é pessoal ou universal?
OS GUINNESS –Jornada é a mais profunda ilustração humana na busca pelo sentido da vida. Basta verificar grandes histórias de jornadas – o Êxodo, a Odisséia, a Ilíada, Dom Quixote, O Peregrino... Todas elas têm em comum a busca por significados. Eu divido a jornada em quatro fases. A primeira é a do questionamento. É a busca consciente. A segunda fase é a das respostas, e eu considero que a fé cristã é a única crença a apresentar uma resposta adequada para essa busca. A terceira etapa é a das evidências. Já que as respostas nos dão sentido, queremos então saber o que é verdade. E, por fim, a última etapa da jornada é aquela que leva ao compromisso. A noção de jornada é a mais profunda ilustração de como as pessoas vêm e se encontram na fé cristã.

Como foi a sua jornada pessoal?
Meus pais eram missionários na China e eu nasci lá. Ainda criança, tive que deixá-los e seguir para a Inglaterra por causa dos comunistas. A minha própria jornada para a fé foi uma travessia intelectual. Comparei os argumentos de autores como Nietzsche, Jean Paul Sartre e Camus, os grandes ateus dos séculos 19 e 20, com os de grandes pensadores cristãos, como Dostoievsky, Chesterton e acima de todos C.S. Lewis. Ao final de minha busca, eu estava certo de que a fé cristã era de fato verdadeira.

E a partir de quando sua vocação se cristalizou?
Eu vim a Cristo em 1960. Na época, eu estava na universidade, em meio à ebulição da contracultura. Havia os filmes de Bergman e Fellini, assim como os protestos em Berkeley. Era difícil contextualizar isso tudo como cristão – mas foi aí que conheci Francis Schaeffer. Ele estava justamente empenhado em juntar os pontos, mostrando como não só a fé tinha sentido, mas a política, a arte, a filosofia... Ele me ajudou a entender que, se pensarmos de maneira cristã, ou seja, dentro de uma moldura bíblica, é possível entendermos os sinais de nosso tempo. O problema é que a maioria dos cristãos tem uma visão errada do que os cerca. Eles têm a teologia e a filosofia corretas, mas sua visão de mundo é estática – quando as Escrituras apresentam uma dimensão do tempo, da geração do agora. E um dos exemplos positivos que temos são os homens de Isacaar, cujas ações são relatadas no livro das Crônicas. Eles liam os sinais do tempo, para que Israel soubesse o que fazer.

O senhor se considera um sucessor de Francis Schaeffer?
Eu devo a Francis Schaeffer a visão e a paixão que me norteiam – e eu devoto muita seriedade àquilo que aprendi com ele. Schaeffer levava Deus a sério, assim como levava as pessoas e a verdade a sério. Sim, eu devo a ele esse respeito, pelo exemplo que deixou. Mas em termos de conteúdo e de pensamento, eu não o sigo. Sou um cientista social, e meu mentor nas ciências sociais é Peter Berger, e não Francis Schaeffer.

Por que alguns setores mais conservadores demonizam autores como Kierkegaard e Bonhoeffer? Será que não podemos aprender com eles?
Claro que podemos. E esta é uma área em que Schaeffer exagerou um pouco e fez muito estrago. Ele atacava Soreen Kierkergaard ou Karl Barth por causa de algo particular na sua posição geral – e isso foi um erro. E aí ele dispensava todo o conteúdo do autor, o que é perigoso. Kierkergaard pode ter coisas que não concordamos, como o seu salto de fé, que é muito subjetivo. Mas devemos lembrar que ele atacava a religião seca e abstrata de seu tempo. A mesma coisa é verdade em Bonhoeffer, Barth e outros. A igreja nos seus primórdios, tinha uma pequena frase que dizia: “Toda a verdade é a verdade de Deus”. Então devemos ser os primeiros a reconhecer a verdade. É claro que se um irmão cristão estiver certo, como Kierkergaard, devemos rapidamente reconhecer seu lado certo, não focar sua fraqueza. Mas devemos fazê-lo com discernimento.

E hoje o senhor ainda segue essa vocação em seu trabalho?
O meu chamado é, de um lado, fazer com que o Evangelho tenha sentido para os que estão no mundo, ou seja, do lado de fora da Igreja. Por outro lado, quero fazer com que o mundo faça sentido para os que estão dentro das igrejas. Eu sou um apologista e um analista. Creio que vivemos um período crítico não só na história em geral, mas especificamente na história do cristianismo.

Recentemente, morreram Jerry Falwell e James Kennedy, dois ícones do evangelicalismo americano. Eles eram representantes da chamada direita cristã e incentivavam a participação política da Igreja. Essa escola ainda influencia os crentes dos Estados Unidos?
Se você pegar os últimos 50 anos nos Estados Unidos, existem dois extremos que os evangélicos abraçaram. Um é o extremo privado – a fé, nesta concepção, é vista como algo extremamente pessoal, e, portanto, publicamente irrelevante. E isso foi o que aconteceu com a maioria dos cristãos americanos. Infelizmente, eles dormiram ao longo de toda a década de 1960, o período mais crucial da história do país no século 20. Quando acordaram, lá por meados da década seguinte, foram para o outro extremo: adotaram uma fé politizada e confiaram aos políticos mais do que eles podem fazer. Sob muitos aspectos, isso levou a fé cristã americana a se tornar serva do Partido Republicano.

Qual é o perigo disso?
Essa atitude da direita cristã, sua subserviência ao republicanismo, criou uma resistência contra a religião de uma maneira geral, e especificamente, em relação ao Evangelho. Agora, sob a presidência de George W. Bush, essa resistência chegou ao seu mais alto grau. As pessoas dizem assim: “Se Bush é religioso, eu não quero ser religioso”. E o fato é que aqueles que apoiaram Bush e ajudaram a elegê-lo – os evangélicos – agora estão pagando por esse erro. Eu argumentaria que o cristão deveria estar engajado politicamente, mas nunca abraçado e unido a um partido ou ideologia. O maior de todos os políticos evangélicos foi William Wilberforce, um conservador que, apesar disso, votou contra seu próprio partido quando concluiu que ele estava errado. Ele nunca foi um homem do partido; e antes de mais nada, era um homem de princípios, que agia de acordo com sua consciência cristã. Nos Estados Unidos, os cristãos têm que se libertar das algemas do Partido Republicano. Agora, seria igualmente horrível ir para o outro lado e fazer a mesma coisa em relação aos democratas. 

O que aconteceu com a sua igreja nos Estados Unidos?
Nós rompemos com a Igreja Episcopal dos Estados Unidos e com seu mais extremado líder, o bispo John Shelby Spong. Ele não acredita em nenhum artigo do Credo Apostólico, mas ainda assim se mantém como líder da Igreja. E lá você vai ver heresia, apostasia e paganismo. A nossa igreja, com muita tristeza, se desligou da Igreja Episcopal – e acabamos nos unindo à Igreja Anglicana da Nigéria. Ora, são cerca de 20 milhões de anglicanos na Nigéria. Eles são evangélicos, são ortodoxos, pois crêem nas Escrituras. E eu sou um anglicano, mas um anglicano ortodoxo. Um anglicano evangélico. Evangélico e reformado, se você preferir.

Madre Tereza de Calcutá, considerada por muitos católicos uma espécie de “santa” contemporânea, revelou em suas cartas, hoje transformadas em livro, suas dúvidas e angústias acerca da própria fé. O senhor também escreveu sobre isso. Qual é a natureza e o papel da dúvida na vida do cristão?
Eu já escrevi sobre a dúvida porque muitas pessoas com quem conversava se sentiam culpadas por terem dúvidas. Elas pensavam que dúvida é a mesma coisa que descrença – e não é! No grego, no hebraico e em quase todas as línguas do mundo, dúvida significa algo como o meio do caminho entre a fé e a descrença.  Fé significa estar convencido de algo; descrença é não acreditar absolutamente em algo. Ora, a dúvida é o meio de caminho. A dúvida, em si, não é descrença – mas precisa ser resolvida, porque poderá se transformar em descrença. Nos meus livros, tento apresentar as diferentes maneiras pelas quais temos dúvidas e o que fazer para resolvê-las. Praticamente todo mundo tem uma dúvida em algum momento da vida; o mais importante é tornar as pessoas libertas para que compartilhem suas dúvidas. Então, devemos ser honestos sobre isso e compreender que o mais importante é saber resolver as dúvidas e voltar a ter uma segurança plena de fé.

Uma de suas mensagens diz que a maior objeção para a fé cristã são os cristãos. Como assim?
A coisa que faz com que os não-cristãos fiquem mais enojados com a nossa fé é a hipocrisia. É a atitude daquelas pessoas que dizem uma coisa e praticam outra. Neste sentido, a hipocrisia tem sido o grande obstáculo à fé. E ninguém teve uma posição mais contrária à hipocrisia do que Jesus – então, quando nós, que dizemos ser seguidores de Cristo, somos hipócritas, estamos traindo tudo aquilo que o Mestre nos chamou a ser. Erasmo, no tempo da Renascença, disse: “Se quisermos levar os turcos para Cristo, precisamos, antes de mais nada, sermos cristãos nós mesmos”. Hoje, ocorre a mesma coisa. Toda vez que um cristão não vive no padrão de Jesus, estamos vulneráveis à acusação de hipocrisia. 

No contexto atual, qual é o futuro que se vislumbra para as denominações protestantes como instituições?
Há uma resistência às instituições hoje. No mundo globalizado, as nossas instituições – incluindo a família e a Igreja – estão claramente perdendo a força. Talleyrand, um político francês do século XIX, disse que, sem indivíduos, nada acontece; mas sem instituições, nada permanece. Hoje, muito se fala da fé dos sem-igreja, e isso acaba levando a uma  espiritualidade muito ruim e contrária à Bíblia. Muitos cristãos, sobretudo os jovens, têm uma percepção equivocada daquilo que devem almejar. As pessoas dizem: “Posso adorar a Deus num campo de golfe da mesma maneira que na igreja”. Sem dúvida. Mas esse tipo de fé, além de não ter respaldo bíblico, não tem força – é como um cogumelo que cresce na madrugada e de manhã já desaparece.  A Igreja é uma instituição da qual precisamos; porém, a Igreja institucionalizada está perdendo sua verdade. Nós precisamos de uma instituição com verdade, com vida. Precisamos, portanto, de uma reforma das instituições.

Em sua opinião, os cristãos estão deixando um vácuo na sociedade?
O problema não é bem esse. Não é que os cristãos não estejam aonde deveriam estar; o problema é que eles não são o que devem ser, exatamente onde estão. E precisamos de cristãos que saibam como aplicar o senhorio de Jesus e fazer a integração de sua fé em cada parte, em cada esfera da vida. A fé de cada um precisa ser integrar ao todo de sua vida. Os crentes devem viver de maneira cristã, devem trabalhar de maneira cristã. Quem é advogado e conhece Jesus deve exercer a advocacia de maneira cristã. Isso vale para qualquer um que professe fé no Salvador – o médico, o técnico da computação, o lixeiro. Só assim teremos chance de ser sal e luz e ganhar de volta a cultura. Infelizmente, o número de cristãos que pensam é uma minoria. Nas Escrituras, temos o mandamento de amar ao Senhor nosso Deus com todo o nosso entendimento. Mesmo assim, muitos cristãos simplesmente não pensam. Dessa forma, nunca conseguiremos ganhar o mundo moderno, a não ser que tenhamos uma geração que aprenda a pensar biblicamente e de maneira cristã.

Em que dimensão a fé cristã contemporânea sofre influência pós-moderna?
Esse pós-modernismo tem raízes em Nietzsche e outros pensadores tremendamente anticristãos. O que é mais chocante é que o pós-modernismo tem muita força entre os evangélicos na Inglaterra e nos Estados Unidos, bem como em outras partes do mundo – e, pelo que ouço falar, aqui no Brasil também. É irônico porque floresce na França nos anos 1960 quando não havia terreno para crescer na Alemanha do pós Guerra. Daí quando perde força na França, ela floresce nas universidades americanas – bem quando as universidades francesas já tinham abandonado essas idéias. Mas o que é mais terrível ainda, é que agora está florescendo entre os os cristãos em boa parte do mundo. E isso no exato momento em que essas idéias estão morrendo nas universidades americanas. Conhecemos o principio do mercado de investimentos: compra-se na baixa, vende-se na alta. Se você quer fazer lucro, jamais poderá comprar na alta e vender na baixa. Mas os evangélicos têm esse habito estúpido de abraçar as idéias bem quando elas estão moribundas. E são sempre as últimas pessoas acreditando nessas idéias passageiras. O pós-modernismo é profundamente anti-bíblico. É o grande perigo que ronda a fé cristã hoje.

Qual o antídoto contra isso?
O antídoto é um entendimento biblicamente pleno da verdade, da Palavra e do Espírito. E eu espero que o colapso do pós-modernismo crie um vácuo e que a fé cristã seja suficientemente forte – cultural, intelectual e teologicamente – para ocupar esse espaço e fazer a diferença. (Colaborou Volney Faustini)

Fonte: http://www.cristianismohoje.com.br/interna.php?subcanal=36&id_conteudo=565

9.4.11

O cristianismo é bom para o mundo?

Coragem!

Você não leu errado nem apressadamente esta corajosa e audaciosa pergunta é o título do livro lançado pela Garimpo Editorial.
Falo em coragem porque sem dúvida é preciso coragem para qualquer cristão se dispor a fazer a pergunta O cristianismo é bom para o mundo?
Coragem para responder do modo que este livro procura responder, fugindo completamente dos monólogos enfadonhos realizados por cristãos e ateus quando a questão a ser pensada é a utilidade do cristianismo para o mundo ou a existência ou não de Deus. Aqui você encontrará um acalorado, instigante, porém respeitoso debate de idéias com liberdade total de desconstrução das verdades absolutas de cristãos e ateus.
Coragem dos participantes Christopher Hitchesns e Douglas Wilson de fugirem do lugar comum e confortável a todos os escritores de jogarem aos ouvidos dos leitores suas verdades sem serem questionados. Christopher Hitchesns é um prestigiado jornalista escrevendo regularmente para The Nation, Harper´s e The New York (a revista Época reproduz suas reportagens) e autor de diversos livros entre eles God Is Not Great (Deus não é Grande) sendo um autentico representante do “neoateismo”. Douglas Wilson é teólogo e pastor da Christ Church e acadêmico da Nova Faculdade Saint Andrews, autor de diversos livros dentre eles Heaven Misplaced: Christ´s Kingdom on Earth ( O céu no lugar errado: o Reino de Cristo na Terra).
O livro é formado por seis round começando com Hitchesns questionando e Wilson respondendo e já questionando em seguida. Hitchesns faz questão de lembrar todas as desgraças que o cristianismo fez parte ao largo de dois milênios “se salmos e hinos foram cantados para santificar a escravidão, mas depois também cantados por abolicionistas” e procura provar que a natureza da moral não está em qualquer religião e sim no próprio ser humano “seria lógico afirmar que a explicação não fanática para isso é que a moral não exige sanção sobrenatural?” Wilson contra ataca perguntando “Christopher Hitchesns manifesta uma enorme indignação moral, mas, em face do ateísmo, gostaria que ele explicasse o porquê dessa indignação. Se Deus não existe, quem está preocupado com moral?”
Todo o debate é feito utilizando-se da retórica o que é normal e aguardado em um debate acadêmico, porém seria interessante respostas mais objetivas a perguntas objetivas, mas, uma boa pergunta é melhor do que mil perguntas e Hitchesns e Wilson possuem uma imensa capacidade de perguntar, de abalizar verdades paradigmáticas de forçar a reflexão.  
            Coragem querido leitor enfrente os seus medos e leia alguém que pensa diferente de você. Se você é Cristão leia para saber se você esta pronto para defender as razões da sua fé, se você é ateu ou simpatizante leia para ter certeza que o cristianismo é tão insignificante quanto você pensa. Ambos se surpreenderão!

Serviço: É possivel comprar o livro acessando http://www.garimpoeditorial.com.br/carrinho.html?add=8 você pode ganha-lo respondendo através dos comentarios desta postagem a pergunta O cristianismo é bom para o mundo? entre os dias 10 e 20 de abril, serão dois livros, boa sorte!