20.5.11

Dez anos da política nacional de educação ambiental: E as igrejas, onde estão?

por Gínia Bontempo

Em dezembro de 2009 aconteceu em Copenhague, na Dinamarca, mais uma reunião de lideranças mundiais para discutir alternativas de combate às mudanças climáticas. Estamos diante de uma crise em que a sobrevivência está vinculada à sustentabilidade. E a educação ambiental é uma das possíveis estratégias para o enfrentamento dessa crise.
 
Há dez anos, foi sancionada a Lei 9.795, de 27 de abril de 1999, que dispõe sobre a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA). É uma grande conquista; poucos países têm uma política semelhante. Porém, há incompreensão e desinformação a respeito da lei. Muitos a entendem como uma “metodologia educacional”. Na verdade, trata-se de um processo político, de caráter crítico, participativo, emancipatório e transformador.
 
A PNEA define educação ambiental como “processos por meio dos quais o “indivíduo e a coletividade constroem valores sociais”, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do “meio ambiente”, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. A educação ambiental “é um componente “essencial e permanente” da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, “em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”.
 
Os trechos destacados indicam o potencial que as igrejas têm para atuar como instrumentos da educação ambiental. Nelas existe o indivíduo e a coletividade, além de um processo contínuo de construção de valores. E mais, valores deixados pelo próprio Jesus Cristo: amor, justiça, igualdade, simplicidade. Para os cristãos, o meio ambiente não é apenas um “bem de uso comum do povo”. É também a obra criativa e perfeita do Deus Trino, que nos chamou para desfrutar dos recursos, juntamente com os demais seres vivos, mas também para cuidar de toda a criação.
 
Outra característica importante da igreja é a forma como ela se organiza e reúne seus congregados. São encontros semanais em realidades concretas, com diferentes faixas etárias, classes sociais e gêneros. Isso contribui para que os processos educacionais tenham o caráter permanente e contínuo.
 
Contudo, o que de fato as igrejas têm feito em relação ao cuidado da criação? Têm provocado mudanças concretas no local onde estão inseridas? Algumas experiências já são conhecidas. É o caso da Igreja Metodista Livre do bairro Saúde, em São Paulo, que vem executando o Projeto Reação, e das igrejas evangélicas de Rondon do Pará, PA, que se envolveram na construção da Agenda 21 do município.
 
Cabe a nós participar de ações socioambientais, seja no bairro, no trabalho, na igreja, na associação ou no clube. Não há dúvida sobre a urgência da atuação dos cristãos e cidadãos brasileiros nas questões socioambientais, tenham eles 8 ou 80 anos! Se você ainda não participa de uma ação desse gênero, que tal se envolver a partir deste novo ano?


Fonte: Revista Ultimato de janeiro-fevereiro de 2010.


• Gínia Bontempo é bióloga, educadora ambiental e colaboradora d’A Rocha Brasil.

José Comblin: profeta da liberdade

No dia 28 de março, morreu um dos maiores teólogos que a América Latina conheceu, o padre belga José Comblin. Tendo vivido grande parte da sua vida no Nordeste (desde 1958), Comblin foi assessor de D. Hélder Câmara e teve papel destacado na Teologia da Libertação e na Teologia da Enxada. Fiel ao seu espírito aberto, participou nos últimos anos de diferentes eventos promovidos por evangélicos no Nordeste como o Fórum Popular de Reflexão Teológica de Bultrins e consultas do Núcleo Nordeste da Fraternidade Teológica Latino-Americana.

Paulo César Pereira, um dos pastores da Igreja Batista de Bultrins, desenvolveu uma amizade pessoal com Pe José Comblin e estuda sua obra no mestrado em Ciências da Religião, na Universidade Católica de Pernambuco. Desejando homenageá-lo, a revista Novos Diálogos consultou Paulo César sobre a disponibilização de uma longa entrevista realizada no contexto de sua pesquisa. Gentilmente, Paulo César nos enviou alguns trechos da conversa que teve em diferentes ocasiões com Pe. Comblin.

Pe. José, é comum se observar que alguns autores, a medida que vão envelhecendo na vida, também vão escrevendo mais, se especializando e se aprofundando sobre algum tema especifico. Seria correta a observação de que o senhor anda no sentido contrário, escrevendo muito mais sobre uma diversidade maior de temas? Bom, é que o tema é o mundo; é o cristianismo no mundo, e isso tem vários prolongamentos e várias dimensões, sempre e cada vez mais numa perspectiva do Espírito.

Depois de escrever cerca de 60 livros, qual o senhor considera que mais lhe deu prazer em escrever? Ah, isso é difícil. Eu tenho prazer em escrever, mas depois que o livro está publicado, eu esqueço. Então, é difícil fazer comparação porque eu logo esqueço.

Algum de seus livros encontrou uma forte oposição da cúpula da Igreja Católica a ponto de tentarem impedir a publicação?Ah, não. Mas nunca houve reações fortes. Nunca recebi uma carta mostrando indignação. Sempre soube que tinha muita gente que não gostava, mas não se manifestavam. Eu sempre soube que Roma não gosta de mim, mas nunca escreveram nada, nunca falaram nada. Então acho que não tem nada que eles considerem que seja heresia. Leonardo Boff foi repreendido e condenado porque em seu livro sobre a Igreja diz que o Papa era o último ditador que havia.

Em Igreja, carisma e poder?
É, Igreja, carisma e poder. Tocar no Papa não pode, isso aí não pode. Pode tocar em Jesus, mas não no Papa. Na América Latina e no Brasil, sobretudo, isso é uma coisa sagrada; até os ateus tem respeito pelo Papa, como Fernando Henrique.

Depois de mais de cinquenta anos de ministério vocacional caminhando e participando das lutas com os pobres na América Latina, em algum momento o senhor perdeu a esperança de que podemos ter um mundo mais justo?
Ah, podemos ter esperança de que seja mais justo, agora, totalmente justo, aí... Mas, tem que lutar para que seja o melhor possível. Agora, claro, se se considera a situação política, econômica geral, precisa ter muita esperança.

O senhor já se sentiu pessoalmente desanimado nessa caminhada?
Não, tem que continuar como se tudo pudesse acontecer. Agora, é claro, se anuncia que em 2030 a China terá superado a economia de metade do mundo. Depois de 2030, vai ser o líder mundial. Será que a liderança mundial da China será melhor do que a dos Estados Unidos? Pelo que se vê na China, a maneira como trata os operários, como trata a mão de obra, é bem provável que não. Lá o numero de cristãos está aumentando, porque a fé no marxismo está diminuindo. Então, buscam uma alternativa, uma outra coisa.

Aumentar o numero de cristãos não significa mais justiça, não é verdade? Ah, não, imagina. Se os Estados Unidos, em nome de Jesus, faz a guerra em toda parte do mundo... fizeram em Honduras, estão preparando uma guerra entre Colômbia e Venezuela, e são quase todos cristãos.

Grande parte protestantes, não é? No tempo do Bush, era o único governo no mundo que começava toda reunião de governo com uma oração. Criam que qualquer deliberação política começa com uma oração. Isso nem no Brasil acontece. Então isso não basta.

O senhor mantém ainda algum contato com Jon Sobrino?
Ah! Sim, esse é uma das autoridades. Eu estive com ele em março lá em El Salvador quando nós estivemos para os 30 anos da morte de Oscar Romero [em 2010]. Organizou-se um congresso de teologia e ele me convidou. Mas ele está bem, é diabético, mas ele se cuida.

A Igreja deixou de lado aquela preocupação em persegui-lo?
Não, continua tudo igual.

Na sua maneira de pensar, padre, que elementos são essenciais, para o estabelecimento de uma Pastoral Urbana, para que seja eficaz e eficiente? Bom, eu teria uma distinção a fazer: uma pastoral urbana genérica pelo fato de estar na cidade e depois vem a pastoral mais popular, que vive a cidade de maneira bem diferente. Tem várias maneiras de viver a cidade. Por exemplo, quem tem carro e quem não tem carro. Ali o tipo de relação social é bem diferente. Então, tem que levar em conta essas diferenças. Alguns fizeram inquérito sobre o comportamento escolar na periferia de São Paulo e na periferia de Paris e viram que é a mesma coisa, os mesmos problemas, as mesmas dificuldades, os dois mundos: o mundo que participa das vantagens das cidades, comunicação fácil, multiplicidade de contato, multiplicidade de encontros culturais e etc; e depois tem a massa de pobres que leva horas de ônibus para chegar ao trabalho, em pé, se de metrô é a mesma coisa; então, ali eles perdem 3 a 4 horas do dia só nisso. O cansaço do trabalho, a tensão do trabalho, a competição permanente, qualquer um pode perder o trabalho. Quer dizer, cria um modo de comportamento bem diferente.

Para a massa popular, ali, o problema principal é despertar esperança de uma vida melhor, de uma vida mais tranquila, mais pacífica, mais harmoniosa, porque aí desperta as energias para, de fato, fazer alguma coisa para transformar isso em realidade. Nenhum dos grandes deste mundo vai resolver isso, não se pode contar. Quer dizer, em certos momentos, nas vésperas das eleições, pode contar. O candidato dará colchões, outro dará tijolos, mas isso são esperanças minúsculas, muito temporárias, que também é uma forma de comércio, porque ele me dá isso e eu dou o meu voto. Então, não transforma a condição da pessoa e é por isso, então, que a esperança vem de Deus, vem de Jesus.

Agora, de modo geral, Jesus age dentro da pessoa, justamente despertando energias novas e com isso consegue realizar. Pensa que é um milagre. Agora não deve mais porque foi Jesus que fez esse milagre. Na verdade, foi ele, porque, de repente, teve uma convicção, uma esperança. Então é a mensagem de esperança numa situação humana que leva justamente ao desânimo [...] faz parte da consciência da vida, da dureza da vida, toda essa dureza psicológica. Tem o problema de falta de alimento; mas, enfim, o mais difícil é o problema psicológico, sentir-se impotente, incapaz, pressionado, empurrado, não ter liberdade de fazer sua vida; isso é mais doloroso, mais sentido.

Nem todos na Igreja estão se importando... Isso nos leva a outro setor: àqueles que têm todas as vantagens da vida acomodada, com todos os privilégios. Ali, o problema é que podem participar de uma igreja mas não conhecem o evangelho. Não sabem, ouviram algumas passagens na igreja, no culto, algumas citações; mas, citações que, geralmente, passam ao lado dos trechos mais importantes, mais decisivos e então ignoram. Ali, qual é o apelo? O que é que Jesus quer? Deus não quer oração, não quer cantos, não quer sacrifícios, não quer homenagens, não quer. O que ele quer é justiça e compaixão. Todos os profetas já disseram: “Para que todo esse sacrifício? Ele tem horror a isso”. Mas todas as igrejas têm orações, sacrifícios, cultos, pensando que isso é agradável a Deus. Ali, então, tem que fazer uma transformação. O que é agradável a Deus? O que é vontade de Deus? Então, até rezam: “Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu”. Na realidade, dizem isso e pensam: “Faça-se minha vontade no céu como na terra”.

Estamos vivendo um universo religioso bastante complexo... Sim, no mundo religioso é assim: Se projeta nos deuses todos os vícios humanos e ali, como são deuses: “Ah! Tem que respeitar”. Tem que respeitar aquilo, assim como a teologia de Santo Anselmo, que a maioria dos reformadores aceitou, de que Jesus morreu porque tinha que oferecer uma reparação pelo pecado do mundo, pelo pecado de Adão. Deus ficou muito ofendido, e então queria uma reparação e uma reparação que fosse igual à ofensa. A ofensa foi infinita porque ofendeu o infinito. Então, só o infinito mesmo pode dar uma compensação. A compensação foi que Ele tem que morrer. Aí se diz: “Uma pessoa vai exigir que alguém morra para perdoar o seu filho?”. Que satisfação pode ter nisso?

No mínimo é estranho, não é verdade? Exigir a morte de um filho para perdoar o outro... Pois é... então, se projeta uma figura monstruosa de Deus. É um monstro. Perdoa, mas alguém tem que morrer. Claro que isso vem das mitologias antigas. Nas mitologias é assim, é claro, mas que isso entre ali numa teologia cristã!? E ainda é muito real, ainda está nos livros, ainda é doutrina oficial. É doutrina oficial, onde que tem isso no evangelho?

[...] Mas, ali, entraram tantas mitologias e o povo aceita isso porque, no fundo, as religiões têm um medo: “Está vendo como Jesus é exigente? Então, cuidado, tenho que me comportar bem, porque Ele é exigente, é duro”. Então, quer sofrimentos em compensação como castigo.

O meio protestante fala assim: ou vem pelo amor ou vem pela dor. Afirma que Deus dá, às vezes, a dor para que a pessoa possa vir para Ele.
Pois é. Essas coisas são mitologias que não estão no evangelho.

Agora, é isso que justifica a teologia política dos Estados Unidos: por que os pobres são miseráveis? Porque são pecadores, é o castigo, é o castigo de Deus. Ali, ajudar aos pobres? “Não, tem que sofrer. Deus quer que estejam sofrendo”. E isso se repete, se repete indefinidamente nos Estados Unidos, e é por isso que a política social é tão fraca. 20% da população dos Estados Unidos não tem cobertura de saúde, nada; os que têm doenças podem morrer que nenhum hospital vai aceitar.

Pois bem, ali para a população da cidade descobrir o evangelho é mais difícil. Eu aprendi sempre que para agradar a Deus tem que ser bem obediente, bem comportado, bem limpo, respeitoso com as autoridades.

E a vida nas paróquias, como está? Você vê que na paróquia o que predomina são aqueles que têm melhor posição social. Se você começa a falar dos pobres, da expectativa, da falta de esperança em questão, que precisa dar esperança para eles, os paroquianos não vão aceitar esse discurso. Agora, se você diz: “Ah! Vamos rezar mais, vamos cantar, aprender melhores cantos”. Aí sim, fica todo mundo entusiasmado. Então a questão é essa, o mais fácil é naturalmente o “vamos fazer orações mais bonitas, melhores”, “vamos fazer um culto mais bonito, com músicas mais bonitas, com instrumentos musicais”. É uma diversão como outra; não tem nada de mal nisso, mas não tem nada a ver com a pastoral, nada a ver com o cristianismo. Mas temos uma herança terrível, que é justamente da cristandade, a integração do Império Romano e de ter aceito esse papel de ser a religião oficial.

Quer dizer, a religião dos grandes, dos imperiosos, é a religião cuja finalidade é aumentar o poder dos poderosos, que tenham mais vitórias, que tenham mais dinheiro, que tenham mais êxito. Se tem um concurso para uma promoção na empresa, por exemplo, aí muitos vão dizer: “Vamos rezar para ser o vencedor do concurso”. E se, de fato, é vencedor vai pensar: “Ah! Graças a Deus, foi Deus que me deu”. Imagine se Deus estava interessado em que ele pudesse ganhar mais? Se o Deus dos evangelhos, o pai de Jesus, estava interessado nisso?

Mas, então, essa religião agrada porque dá razão. Se Deus me deu essa vitória no concurso é que eu tinha razão de buscar mais, de ser mais rico. Então isso se confirma na sua condição. Essa religião só serve para consolidar o sistema estabelecido.

Agora, se você for falar isso para uma assembleia episcopal, alguns vão sentir que é isso mesmo, mas vão dizer: “É, se eu for falar assim, aí vai criar dificuldades”. Então, quero fundar uma obra nova, mas para isso preciso ter o consenso do prefeito. Se eu começar a falar assim, o prefeito vai dizer: “Tem muita coisa que não posso dizer por que o governador não vai gostar”. Então suprime os subsídios. É por isso que tem muita gente boa que, no fundo, sente que deveria ser assim, mas... E, se é católico, ali, logo vai dizer, em Roma não vão gostar disso, quem sabe se até castigam por ter sido imprudente. Por que sempre é assim, a imprudência. É imprudente arriscar qualquer conflito com os poderosos; então, em nome da prudência ali se aceita esse tipo de coisa.

Tem receio de agirem e não serem compreendidos?
Sim. É claro que, a maioria das pessoas quer uma religião, mas que não seja essa. Aí que está o antagonismo: querem uma religião, querem a sua igreja, mas dizem: “Esse pastor não entende bem o espírito da igreja; ele perturba, cria problema, vem com ideias esquisitas”. Aí é um problema. Então a gente tem uma mensagem, mas aqueles que estão na igreja não querem essa mensagem. Agora, por que eles estão na igreja? É o resultado de uma tradição, o mundo ocidental foi cristianizado. Mas de que jeito? De que jeito? Como se fez a cristianização da Europa? Converteram os reis, os reis bárbaros, godos, francos e outros e, quando o rei adota uma religião nova impõe a todos, de um dia para outro, todos os membros da tribo, todos os membros do reino já são cristãos, mas não entendem. E como que vão entender? Se integram aos gestos exteriores, às coisas mais compreensíveis, ao culto, às orações. E então se criou todo um ambiente. Todo mundo é cristão e se cria ali uma pressão social. Se todo mundo é cristão, ninguém se arrisca a não ser.

Sempre houve muitos ateus, inclusive nas igrejas, mas não se atreviam a dizer que eram ateus; então vão ao culto, faz de tudo para não criar problema, porque se é ateu: “Ah, é ateu? É filho do demônio”. Então, ali tem que atacar, tem que rejeitar. Mas tudo isso é mais a pressão social e ainda existe no mundo ocidental uma pressão social. Está diminuindo no mundo intelectual na medida em que aprendem uma crítica intelectual. Aí começam a aplicar essa crítica também às instituições religiosas e começam a discutir e a questionar e se não encontram um pastor inteligente, que possa acompanhar essa evolução, no fim, também decidem: “Eu não quero mais religião”. É interessante.

O que fazer então, Padre Comblin?
Há muito culto, cada um faz seu culto, mas a prioridade não é essa. O que estamos fazendo neste mundo? O que acontece neste mundo? Qual é a nossa contribuição? Que tipo de esperança estamos ali realizando? É isso que seria a prioridade, segundo o evangelho. Mas o evangelho é objeto do culto.

[...] Ser cristão é entrar nos problemas humanos que estão aí e despertar a esperança das pessoas, transformar. Agora, se depois disso você é presbiteriano, batista, é secundário, mas o principal é que o mundo esteja mudando, a cidade esteja mudando.

Emprego de A a Z: Qualidade de Vida

13.5.11

Preocupação com o futuro

Por Carlos Fernandes

A recente aprovação, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), da extensão de direitos civis às chamadas uniões homoafetivas – como transmissão de pensões e heranças, coberturas de planos de saúde e até adoção de filhos – rendeu muita discussão entre os principais segmentos religiosos do país. Católicos e evangélicos apressaram-se a comentar a polêmica decisão, que contraria princípios cristãos relativos à família e reforça a cultura homossexual no país.

Além de dirigentes da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), ligada à Igreja Católica, dirigentes da Aliança Cristã Evangélica Brasileira, entidade criada no ano passado, também manifestaram sua opinião. Nesta entrevista exclusiva a CRISTIANISMO HOJE, quatro integrantes da Aliança disseram o que pensam sobre a novidade jurídica, analisam a relação da Igreja com movimentos cuja ideologia contraria o Evangelho e debatem possíveis desdobramentos da decisão – inclusive, a eventual aprovação, pelo Congresso Nacional, do PL 122/06, também chamada de Lei Anti-homofobia:

CRISTIANISMO HOJE – Qual a posição da Aliança Evangélica acerca da decisão do STF, que praticamente equiparou os direitos civis das duplas homossexuais aos oriundos do casamento convencional?

MARTIN WEIGAERTNER (pastor e membro do Conselho de Referência da Aliança) – Primeiramente, devemos esclarecer que esta entrevista não  indica uma posição da Aliança Cristã Evangélica Brasileira, mas reflete a posição de pessoas vinculadas à liderança da entidade. Numa sociedade pluralista, não cabe à Ugreja impor à sociedade sua cosmovisão e ética, e ela faz bem em não fazê-lo. Sua percepção de bem e mal, certo e errado não pode ser imposta, mas apenas acolhida livremente em fé.

CHRISTIAN GILLIS (pastor da Igreja Batista da Redenção e membro da Coordenadoria da Aliança) – Como cristãos evangélicos, reafirmamos a posição bíblica quanto à natureza heterossexual do casamento e refletimos que o desígnio ideal é que a entidade familiar seja resultado da união entre homem e mulher, cabendo à Igreja declarar e fomentar tal ensino. O Estado secular, porém, tem o dever de elaborar amparo jurídico para todos os seus cidadãos, buscando estabelecer o que for mais justo nas diversas interações sociais e econômicas.

CÍCERO DUARTE (Advogado e assessor jurídico da Aliança Evangélica) – A decisão do STF e o Código Civil Brasileiro não são inovadores de direito, pois são fruto de mudanças já acontecidas na sociedade e não fatores para promover mudanças. As mudanças já ocorreram e estão sendo reconhecidas pelos nossos tribunais – e, como conseqüência, houve a adequação legal.
A decisão, provavelmente, abrirá as portas para novas medidas beneficiando a comunidade gay, inclusive a aprovação do PL 122/06, cujo teor preocupa os evangélicos por conta de uma suposta ameaça ao direito de livre opinião – no caso, a pregação cristã evangélica contra a homossexualidade. Alguns setores temem a instauração de uma "ditadura gay" no país. O que existe de concreto nesse temor?

MARTIN WEIGAERTNER – O temor de uma “ditadura gay” circula mais amplamente do que muitas vezes imaginamos.  A ação concentrada em prol de garantias diferenciadas para os homossexuais, às vezes, dá a impressão de querer impor sua visão à sociedade. Uma coisa é garantir respeito e igualdade de direitos a todas as minorias; bem outra é o intento de impor juízos de valor, ao preço de restringir a liberdade de pensamento e de expressão. Para os cristãos, o compromisso com a verdade é inalienável, ainda que lhes traga sofrimento. O cristão não condena a prática do homossexualismo por se considerar moralmente superior ou por ser este um “pecado maior”, pois bem sabe que o orgulho que afeta todo ser humano detém essa posição. Ele expressa essa advertência em temor a Deus, como alguém que está convalescendo do seu próprio orgulho por graça imerecida.

VALDIR STEUERNAGEL (integrante da Coordenadoria da Aliança, ministro luterano e dirigente da Visão Mundial) – A fé cristã, embora não endosse a prática da homossexualidade como um padrão de vida recomendado pelas Escrituras, nunca pode endossar a homofobia. O direito de dizer não para a prática da homossexualidade e a afirmação da heterossexualidade não é homofobia. Somos uma sociedade laica e não cremos que a Igreja possa legislar para a sociedade, assim como a sociedade não pode legislar para a Igreja. A decisão do STF quanto aos direitos dos homossexuais que vivem em relação estável foi favorável. Como membros da sociedade, submetemo-nos, neste caso, a esta decisão por crermos ser importante zelar com justiça pelos direitos de todos, inclusive daqueles cuja postura diverge da expressão evangélica da fé cristã.

CÍCERO DUARTE – Todos os integrantes da sociedade devem ter amparo legal e proteção do Estado de direito. Somos, portanto, ativamente contrários a toda forma de ditadura (onde qualquer grupo tenta impor seu padrão sobre os demais) e defendemos ampla liberdade para todos nos termos da lei. Somos contrários a todo tipo de discriminação social e antagônicos a qualquer desrespeito contra uma pessoa, qualquer que seja a sua condição humana. Não é justo que ninguém seja rebaixado ou humilhado por causa de uma prática temporária ou contumaz. No entanto, apesar das mobilizações do movimento homossexual, não há relação direta entre a decisão favorável à união estável homoafetiva por parte do STF e a criminalização da homofobia na esfera legislativa.

Cristianismo Hoje: Na sua opinião, deve haver algum aumento de pressão social no sentido de que a Igreja não apenas seja constrangida a celebrar cerimônias religiosas de união de homossexuais, como também que refreie seu discurso bíblico contra a homossexualidade?

CÍCERO DUARTE – Pode ser que exista, sim, pontualmente, alguma pressão social neste sentido. Mas, atualmente, nosso ordenamento jurídico não obriga a celebração de uniões homossexuais, e é mínima a possibilidade de que um dia exista tal obrigatoriedade no Brasil.

CHRISTIAN GILLIS – Existe um ambiente artificialmente inflado pela mídia que gera temores e pressões distorcidas que não têm correspondência na sociedade real. O mesmo Estado de direito que garante a liberdade de expressão da mídia garante a liberdade de organização e expressão religiosa privada. A postura da Igreja, entretanto, será sempre de abertura e acolhimento. Ela é uma casa de pastoreio e restauração para todos; existe existe a partir de Jesus Cristo e segundo as Escrituras, e não muda a sua natureza conforme as demandas dos tempos. A mensagem e serviço da Igreja estão sujeitos a referencias imutáveis, enquanto o Estado e o ordenamento jurídico se moldam conforme as necessidades sociais.

VALDIR STEUERNAGEL – É importante, neste momento, afirmar o princípio da liberdade religiosa. Quando se quer impedir ou penalizar – o que não é o presente caso – o direito de a Igreja expressar a sua opção pela heterossexualidade e de ser contrária à prática da homossexualidade, a liberdade de expressão está posta em risco e deve ser denunciada.

MARTIN WEIGAERTNER – A Igreja cristã pode adaptar-se à mudanças culturais, desde que estas não firam preceitos expressos na Palavra de Deus. Quando, porém, essas mudanças contrariam o compromisso com a verdade, a Igreja precisa contrariar o espírito da época, mesmo que isso não lhe renda popularidade.

E você, quanto ama o mundo?

por Timóteo Carriker

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito...” João 3.16 Imagino que haja muitas objeções a este raciocínio. A primeira se baseia em 1 João 2.15: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele”. A solução é fácil. Apesar de os dois textos usarem a mesma palavra, “kosmos” (mundo), em João 3.16 ela se refere ao mundo físico ou humano, enquanto em 1 João 2.15 se refere aos valores negativos de um “mundo” pecaminoso. Voltando à pergunta do título, se Deus amou o mundo a ponto de dar seu único Filho, qual é a medida do nosso amor pelo mundo? Surge então a segunda objeção: Será que João não está se referindo ao mundo de pessoas em vez de se referir ao mundo físico?

Ele está falando do mundo de pessoas sim. Aqui, “mundo” claramente se refere aos dois aspectos do mundo criado por Deus: humano e não-humano. Basta ler João 1.9-10. Talvez a conexão entre os dois fique mais clara se considerarmos Romanos 8.18-25, em que a salvação da humanidade e do mundo não-humanos é interligada.
 
Toda a criação um dia será “salva”, isto é, renovada e recuperada. Porém, de acordo com Romanos 8, esta redenção da criação só acontece depois da salvação dos seguidores de Cristo. E o motivo é que, embora a redenção venha sempre e unicamente de Deus, ele próprio incumbe o seu povo de ser instrumento para anunciar tal redenção. Por isso, o povo de Deus, a igreja, tem um papel importantíssimo na redenção da criação. Certamente, entre outras coisas, isso implica num compromisso ativo que os ecologistas chamam de “conservação”. A palavra preferida das Escrituras parece ser “redenção” ou “renovação”. Basicamente, o que Paulo descreve em Romanos 8 é o que o visionário João fala em Apocalipse quando descreve o novo céu e a nova terra.
Agora talvez já tenha surgido uma terceira objeção à ideia de “amarmos este mundo como Deus amou”.

Afinal, a Bíblia não afirma que este mundo físico, antes do fim dos tempos, se desfará? Então, por que tanto esforço para conservá-lo? Será que a Bíblia ensina que o mundo físico que conhecemos um dia não mais existirá? Vejamos 1 Pedro 3.7 e 12. Ambos os versículos falam da “destruição” por meio do “fogo”, tanto na maioria das nossas traduções quanto no original. Lendo esses versículos isoladamente e fora do seu contexto, só podemos concluir que o mundo físico aguarda, de fato, uma destruição futura total, uma aniquilação e o desaparecimento, assim como o fogo transforma a madeira em cinzas. Porém, o versículo 6 muda esta leitura. Os céus e a terra, isto é, o mundo físico, serão destruídos, consumidos pelo fogo, “da mesma forma” que o mundo físico anteriormente foi destruído pelas águas. Que tipo de “destruição” é essa? Por um lado, tal destruição certamente não é aniquilação, obliteração, e extinção total. Pois, depois do dilúvio, o mundo continuou a existir. Porém, tal destruição não ocorreu sem dor e sem estrago substancial. Portanto, a destruição do dilúvio e do mundo futuro “envolve grande dano, mas não a inexistência”. Outros usos desta linguagem nas escrituras apontam para a ideia de purificação e transformação, um processo doloroso e abrangente (Ml 3.1-4; 1Co 3.12-15).

Isto significa que “novos céus” e “nova terra” não são “outros céus” e “outra terra”, mas céus e terra renovados, da mesma forma que Cristo nos transforma em novos homens e novas mulheres, isto é, não fisicamente em outras pessoas, mas em pessoas renovadas, e assim, em outras pessoas interiormente.
 
Voltamos à pergunta inicial: Quanto nós amamos este mundo? Quanto amamos a criação de Deus, que ele próprio pretende renovar? Qual é a nossa ação atual de manifestação deste amor?  


Fonte: Revista Ultimato de novembro-dezembro de 2009.

• Timóteo Carriker é teólogo, missionário da Igreja Presbiteriana Independente, capelão d’A Rocha Brasil e surfista nas horas vagas. É autor de A Visão Missionária na Bíblia e coordena diversos sites (acesse www.tim.carriker.com).

Emprego de A a Z: a importância do networking

10.5.11

O milagre da privada

por Eliane Brum

Há um vídeo circulando na internet que tem provocado ataques de riso. É bem engraçado mesmo. Mas não é apenas isso. Ele nos dá a possibilidade de pensar algo importante: por que as novas – novíssimas – igrejas evangélicas arrebanham tantos fiéis e fazem seus criadores, sempre um bispo fulano ou apóstolo sicrano, enriquecer com uma rapidez de deixar qualquer capitalista orgulhoso. E em seguida expandir sua igreja para outros países/mercados – ou muito pobres ou povoados por imigrantes de países pobres. Ao mesmo tempo em que passam, como qualquer empreendedor competente, a diversificar seus negócios para outras áreas de atuação. O fenômeno é bem conhecido, mas este vídeo de três minutos pode nos ajudar a alargar a questão para outros pontos de vista.

O vídeo no YouTube se chama O milagre da privada. E, ao terminar de assisti-lo, podemos pensar, com algum senso de humor, que o conceito de onipresença divina acabou de ser ampliado. Nele, uma senhora muito carismática conta ao pastor que Deus fez um milagre com ela. Pelo que entendi, ela usou um travesseiro vendido na igreja através do qual o poder divino se manifesta. No caso dela, colocou o travesseiro na barriga, sobre a região do intestino, e pela primeira vez na vida, segundo seu relato, conseguiu o que lhe parecia impossível.

E aí os leitores mais pudicos que me perdoem – assim como a Época, que com toda razão exige um texto elegante –, mas neste caso é essencial respeitar a linguagem usada, porque ela contém informação. A senhora conta que finalmente, depois de décadas de sofrimento, de passar “de 15 a 20 dias” sentando-se na privada inutilmente, graças à interferência divina obtida através do travesseiro e da igreja, conseguiu dar “uma bela de uma cagada”.

Apesar de termos pudores com esta parte do cotidiano do corpo, a única que nem toda a riqueza do mundo consegue fazer cheirar bem, a compreensão do relato é imediata. E a mulher dá seu testemunho com uma alegria e uma sinceridade que me parece que rimos com ela, por identificação humana – e não dela. O que faz uma grande diferença.

A senhora parece realmente feliz por Deus ter lhe soltado os intestinos depois de uma vida inteira de prisão. Para ela era um grande drama – e todos nós sabemos que pode mesmo ser. “Meu Deus, por que todo mundo caga menos eu?”, relata ela. “Misericórdia, meu Deus!” Era este, afinal, o milagre que esperava de sua fé.

Ela deve ter muitas outras mazelas na vida, mas a maior de todas era esta. E supostamente seus problemas na área acabaram. Porque este ato tão simples para a maioria da humanidade lhe era negado, ela usa a palavra “cagar” várias vezes. Goza com a palavra que nomeia a função a qual finalmente tem acesso. E é por isso que eu a repito aqui. Porque usar “defecar” seria uma traição à sua narrativa.

O vídeo parece genuíno, mas não tenho como comprovar sua veracidade. Se ela é uma atriz, merece um Oscar. Se for uma peça de humor, é ótima. De qualquer modo, “milagres” comezinhos acontecem aos milhares todo dia nessas novas igrejas evangélicas, determinantes para a transformação do Brasil num país cada vez mais multirreligioso. Basta ligar a TV ou acessar os respectivos sites para testemunhar que, se existe um Deus, ele anda ocupadíssimo resolvendo questões as mais prosaicas. Escolho este “milagre”, e não outro qualquer, apenas porque ao alcançar o território da privada ele explicita ainda mais o fenômeno na esfera pública.

A imprensa tem denunciado a exploração dos fiéis e o enriquecimento ilícito de algumas dessas igrejas – e, principalmente, a locupletação de seus fundadores. Como na ótima reportagem “Milagres e Milhões”, de Ricardo Mendonça e Mariana Sanches, publicada na Época em 2010. Os exemplos são muitos e contundentes. Mas há algo, de outra ordem, que é importante compreender nesse fenômeno. E que a senhora de “O milagre da privada” nos conta muito bem.

O problema que encontro na crítica generalizada que se faz a essas novas igrejas evangélicas, da mesa de bar às discussões mais formais, é o menosprezo da capacidade de discernimento do povo. Supostamente os fiéis que lotam os templos seriam apenas vítimas de estelionatários da fé. Dando um dinheiro que lhes falta para quase tudo em troca de fumaça. Me parece que esta é uma verdade em alguns casos – mas apenas parte dela. É preciso complicar mais a questão.

Primeiro porque a fé, por definição, não pertence à esfera das comprovações científicas. Se fosse este o critério, haveria de se proibir todas as igrejas, inclusive a Católica. Fé é crença, não ciência. Você acredita se quiser ou puder. Alguns têm fé, outros não. A Constituição brasileira acolhe a todos ao admitir a liberdade religiosa. Mesmo que – ainda bem – o Estado seja laico. Isso significa que, se a senhora do vídeo quiser acreditar que o travesseiro ungido libertou seu intestino, é um direito dela. Da mesma forma que outros acreditam que João Paulo II é santo. E outros não acreditam em nada.

O problema maior, em meu ponto de vista, é achar que o povo que escolhe essas novas igrejas e acredita em milagres como esse é apenas uma vítima passiva. Este raciocínio reduz as pessoas e a compreensão do fenômeno. Ninguém dá nada – muito menos o seu dinheiro – se não recebe algo em troca. Quando esta troca se desequilibra e as pessoas se sentem enganadas, como em qualquer negócio, elas ou mudam de igreja ou vão à Justiça – se conseguirem acesso.
O povo brasileiro é bastante pragmático. E me parece que as pessoas entendem claramente que é um negócio, ainda que seja um negócio embrulhado em fé – e por isso a maior parte dos casos na Justiça é dessas igrejas e não das tradicionais. Não me parece que a busca maior nesse caso seja pela transcendência: o que se quer é uma solução prática e imediata, como é o espírito do nosso tempo apressado. Se dessacraliza o sagrado para sacralizar literalmente a mercadoria.

Pensar que os fiéis não sabem o que fazem pode ser arrogância – e até preconceito. Assim como ficar repetindo que o povo não sabe votar quando o resultado do processo democrático é diferente do esperado por determinada pessoa ou grupo político.

E o que essas igrejas oferecem que faz valer a pena dar um dinheiro que fará falta? Algo que possivelmente as pessoas que as procuram não encontram em nenhum outro lugar: acolhimento e escuta. É por isso que pagam. Há uma enorme carência de escuta em nosso tempo. Nunca se falou tanto – e talvez nunca tenha se escutado tão pouco. É este o vácuo que tem sido ocupado pela religião de mercado.

Que outro lugar, neste país, hoje, está de portas abertas e com alguém a postos para escutar o que o outro tem a dizer, ainda que possa ser apenas para avaliar o quanto de dinheiro poderá arrancar de quem desabafa? Se você está doente ou seu marido é alcoólatra, você vai encontrar alguém que o escute no SUS? Se seu filho está mal nos estudos ou agressivo em sala de aula e em casa, ou envolvido com traficantes, você vai encontrar alguém que o acolha na escola ou em outra instituição? Se você está sem emprego ou sua casa foi levada pela enchente porque a prefeitura e o estado deixaram de fazer as obras necessárias, onde você vai encontrar um teto e um banco para sentar e um ombro para chorar, ainda que tenha de dar o último trocado que restou no seu bolso? Em que outro lugar você se sentirá parte, ainda que no meio de uma multidão, mas uma com a qual você se identifica e o reconhece como um igual?

Por mais fraudulento que possa parecer – e em muitos casos é –, há algo que funciona nesses espaços. Há uma mercadoria que é entregue – ou os templos estariam vazios. E é entregue em geral não por um pastor ou bispo ou apóstolo ou irmão fulano qualquer, mas um fulano com um nome, sobrenome e rosto parecido com o do fiel. Este acolhimento e esta escuta fazem diferença na vida dessas pessoas ou elas não estariam lá. Deveria ser diferente? Acredito que sim. E lamento que não seja.

Mas as pessoas, todas e especialmente as mais pobres e desamparadas, têm de se virar com a realidade que está aí. Hoje, agora. E estas são as portas que estão abertas – quando quase todo o resto parece falhar. Ou está fechado. Ou não tem vaga.

Onde mais a senhora do vídeo poderia contar no microfone, ser ouvida e ser abraçada por aquele que está no lugar da autoridade porque deu “uma bela cagada” pela primeira vez na vida?

Pois é.

Milagres e milhões

por Mariana Sanches e Ricardo Mendonça. Com Juliana Arini, de Cuiabá (MT)

– Uma das histórias que mais me impressionou (sic) foi de um homem que morreu. Como se diz no Nordeste, ele estava na pedra. A família já tinha recebido atestado de óbito. A filha dele chegou em mim na igreja, me abraçou e disse: “Se o senhor disser que ele está vivo, ele viverá”. O que houve ali foi pela fé dela. Comovido, respondi: “Então, está vivo”. Quando ela voltou para casa, estavam se preparando para velar o corpo e receberam a notícia de que o homem havia voltado à vida. Os médicos tentaram justificar, mas não conseguiram entender como o coração dele voltou a bater. Foi uma ressurreição.

O relato acima foi feito em 2009 pelo líder evangélico Valdemiro Santiago de Oliveira numa de suas raras entrevistas, concedida a uma publicação evangélica chamada Eclésia.

Alto, negro, extrovertido, de fala rouca cheia de erros de português e forte sotaque mineiro, Valdemiro, de 46 anos, é o criador, líder absoluto e autoproclamado “apóstolo” da Igreja Mundial do Poder de Deus. Caçula entre as neopentecostais, a igreja foi fundada em 1998, em Sorocaba, interior de São Paulo. Mineiro de Palma, região de Juiz de Fora, Valdemiro gosta de se definir como “homem do mato” ou “um simples comedor de angu”. Na pregação diária de bispos e pastores e no boca a boca de milhares de fiéis, é reverenciado como milagreiro. Além de afirmar ressuscitar os mortos, cultiva a fama de curar de aids, câncer, cegueira, surdez, tuberculose, hanseníase, paralisia, alergias, coceiras e dores em qualquer parte do corpo e da alma. Num domingo com três cultos, Valdemiro chega a apresentar mais de 30 testemunhos de cura. ÉPOCA tentou falar com Valdemiro durante dois meses. As solicitações foram feitas por meio de assessores e bispos e diretamente a ele, na saída de cultos. Em duas ocasiões, ele prometeu dar entrevista, mas nunca agendou.

Dissidência da Igreja Universal do Reino de Deus, a Mundial é a menos organizada das evangélicas. Seus templos têm instalações precárias. A pregação é classificada por alguns como “primitiva”. Há gritos, choros e performances espalhafatosas. Até suas publicações são visivelmente mais pobres que as das concorrentes. Apesar de fazer quase tudo no improviso, a Mundial já é considerada o maior fenômeno religioso do Brasil desde a criação da Igreja Universal, em 1977, sob a liderança do bispo Edir Macedo. Mais que isso, a Mundial começa a se firmar como ameaça ao império que a Universal ergueu no campo das neopentecostais.

Carismático, intuitivo, meio desafiador, meio fanfarrão, Valdemiro comanda uma estrutura que, de acordo com números da igreja, reúne 2.350 templos, cerca de 4.500 pastores e tem sedes em mais 12 países. Só em aluguéis de imóveis para cultos a Mundial gasta R$ 12 milhões por mês, segundo estima o diretor de compras da igreja, Mateus Oliveira, sobrinho de Valdemiro. Em número de templos, a Mundial superou duas de suas três concorrentes neopentecostais: a Internacional da Graça, do missionário R.R. Soares, e a Renascer, do casal Estevam e Sônia Hernandes. Nos últimos dois anos, a Mundial praticamente multiplicou por dez seu tamanho (em 2008, eram 250 templos). Mantido o atual ritmo de crescimento, ela ultrapassaria a Universal até 2012. A igreja de Edir Macedo afirma ter 5.200 templos e 10 mil pastores.

Uma característica nova na expansão da Mundial está naquilo que o sociólogo Ricardo Mariano, estudioso de religião na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, chama de “pescar no próprio aquário evangélico”. Estudos sugerem que a maior parte dos seguidores da Mundial veio de outras neopentecostais, principalmente da Universal. Poucos eram do meio católico, tradicional fornecedor de fiéis para denominações evangélicas. “Calculo que mais de 50% dos membros da Mundial saíram da Universal, uns 30% da Internacional da Graça e o resto das demais evangélicas ou outras religiões”, diz Paulo Romeiro, professor de teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor de um livro sobre a igreja.

Na cúpula da Mundial, a presença de ex-membros da Universal é expressiva. Estima-se que 90% dos bispos e até 80% dos pastores tenham sido formados por Edir Macedo. O próprio Valdemiro tem origem na Universal, onde atuou por 18 anos. O apetite com que a Mundial avança sobre a Universal aparece até na distribuição geográfica dos templos. Valdemiro tem predileção por instalar igrejas em imóveis que já foram ocupados pela Universal.

Parte do encanto de Valdemiro está na imagem messiânica que ele construiu em torno de si, contando histórias mirabolantes. A mais espetacular está no livro O grande livramento: ele descreve um naufrágio que sofreu em Moçambique em 1996, quando ainda era da Universal. Valdemiro diz que ele e três conhecidos foram vítimas de uma sabotagem, que fez a embarcação afundar a 20 quilômetros da costa. A partir daí, a história ganha ares cinematográficos.

Valdemiro na época pesava 153 quilos (anos depois, ele faria uma cirurgia de redução de estômago). Ele diz que deu os únicos três coletes aos colegas e começou a nadar a esmo. Diz ter nadado oito horas “contra forte correnteza”, “ondas gigantes” e cercado por “tubarões-brancos assassinos” e “barracudas agressivas”. Na travessia, prossegue sua narrativa, um pedaço de sua perna foi arrancado e seus olhos foram queimados por “águas-vivas gigantes”. Quando finalmente chegou à praia, diz ele, dormiu na areia e acordou nos braços de dois estranhos, “africanos seminus”. “Tive a clareza de que os anjos do Senhor haviam me visitado e me dado o livramento”, diz. Dos três companheiros, dois morreram e um foi resgatado. Na época, jornais noticiaram o naufrágio, mas muita gente na igreja duvidou do relato. Um bispo foi à África fazer uma sindicância, mas isso não sanou as dúvidas.

Valdemiro também conta outros três causos de “livramento”. Diz que, numa ocasião, caiu do 8º andar de uma obra, mas nada sofreu. Afirma também que, passeando de carro “na África”, uma bomba de um campo minado explodiu “arremessando nosso carro uns 3 metros para o alto”. Diz ainda que sofreu uma tentativa de assassinato, mas os “matadores profissionais” erraram os cinco tiros. “Assustados, jogaram o rifle para dentro do carro e fugiram”, afirma.

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129503-15223,00.html

9.5.11

Islamismo e democracia não são compatíveis

Para fugir da fome, Jacó e sua família mudaram-se para o Egito, onde os seus descendentes permaneceram por 400 anos. Jesus, ora nos braços de Maria, ora nos de José, fugiu para este país a fim de escapar da matança dos meninos menores de dois anos, ordenada por Herodes, o Grande. Segundo a profecia de Ezequiel, o Egito, depois de se tornar por 40 anos um “deserto arrasado”, tornou-se “o mais humilde dos reinos” (Ez 29). Os cristãos têm certa familiaridade com ele por causa de cerca de seiscentas referências ao país encontradas nas Escrituras. No tempo das vacas gordas e das vacas magras, o “homem forte” do Egito era um judeu temente a Deus, não um egípcio. Moisés nasceu no meio deste povo e foi criado na casa de Faraó.

Por tudo isso, é um privilégio entrevistar um egípcio nascido no Cairo, a propósito dos acontecimentos que estão se desenrolando no norte da África e no Oriente Médio. Desde 1990, Ramez Atallah é secretário geral da Sociedade Bíblica do Egito. Por ter trabalhado durante muitos anos com universitários, ele é hoje presidente honorário da International Fellowship of Evangelical Students (IFES). Por sua experiência de 20 anos no Comitê de Lausanne, Ramez liderou a comissão organizadora do 3° Congresso de Evangelização Mundial (Lausanne 3), realizado em outubro de 2010 na Cidade do Cabo. Ele é casado com Rebeca Atallah e tem dois filhos.

Qual é a sua avaliação dos protestos no Oriente Médio e no Norte da África?
Os protestos ocorridos nesses lugares refletem uma rejeição ao regime ditatorial de seus líderes. Uma parcela significativa da população de cada país considera o regime corrupto e antidemocrático. Trata-se de uma revolução típica, mas na maior parte das vezes feita por meio de protestos pacíficos. Somente quando os governos em questão atiraram em civis inocentes, geralmente desarmados, é que houve derramamento de sangue. A situação na Líbia é diferente. Tem-se um confronto entre o governo e os grupos rebeldes, os quais têm obtido apoio de grande parte da população.

Bishara Khader, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas sobre o Mundo Árabe Contemporâneo, está certo ao dizer que “nenhum país árabe está livre [de ter ondas de protestos], porque encontram-se na maior parte deles os mesmos ‘ingredientes explosivos’, notadamente um sistema político esclerosado e repressivo e uma corrupção generalizada” (La Croix, 21/02/2011)?
Certamente Bishara está correto, pois não há país nessa região que esteja imune aos protestos. Eles acontecem em quase todos os lugares. O grau de ameaça que enfrentam, as possibilidades e o grau de corrupção em cada país variam muito.

Quais são os perigos e as oportunidades que esses eventos representam?
A grande oportunidade é a consolidação de um Estado democrático secular. O perigo é que, como está acontecendo atualmente no Egito, as intenções dos manifestantes pró-democráticos seculares sejam usurpadas por grupos muçulmanos de direita, que terão também uma ampla gama de seguidores e podem tornar esses países ainda mais radicais.

Islamismo e democracia são compatíveis?
Não acredito que islamismo e democracia sejam compatíveis.

Para não complicar mais a atual situação do mundo árabe, o que os Estados Unidos e as nações europeias não devem fazer?
É uma pergunta difícil, em vários sentidos, e seria necessária uma resposta específica para cada país, o que não é possível neste espaço.

Qual o papel da igreja nesses países?
As igrejas ao redor do mundo devem orar pelo que está acontecendo no Oriente Médio e se preocupar tanto com o destino dos muçulmanos quanto com o dos cristãos. No passado, as igrejas oravam apenas pela minoria cristã e não estavam realmente preocupadas com os países em si. As igrejas devem se preocupar com todos os cidadãos e orar por eles.

Qual o papel da igreja global em relação a esses eventos?
A “igreja global”, o que quer que esse termo signifique, deveria estar fazendo o mesmo que mencionei na pergunta anterior.

É provável que o extremismo muçulmano se espalhe pela região?
Não só é provável, mas há uma forte probabilidade de isso acontecer.

Os governos que estavam à frente de alguns países árabes que estão enfrentando os protestos tinham acordos com o Ocidente. Considerando a situação atual, o que vai acontecer com esses acordos?
Muitos deles serão renegociados.

Fonte: Ultimato Maio-Junho de 2011.

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Cuidar da natureza faz parte da nossa natureza

por Werner Fuchs

“A gente protege o que a gente ama”, declarou recentemente o filho de Jacques Cousteau. Se alguém não cuida, é porque não ama. Ou seja, descuidar da natureza e de si mesmo é evidência não apenas de desnaturação, mas também de falta de amor à vida e a si próprio. Por exemplo, quem sorve constantemente as 4.720 substâncias contidas no cigarro, muitas delas cancerígenas, maltratando assim sua “casa corporal”, (cf. 1Co 12.22) dificilmente será consistente na defesa da “casa comum”, até porque não se importa com os fumantes passivos ao seu redor nem com a condição de semi-escravidão dos fumicultores. Quem se conforma com a “dose diária inaceitável” de agrotóxicos no leite materno e no alimento em geral não se interessará em desmascarar o agronegócio como insustentável em termos ambientais (devastação), sociais (trabalho escravo) e econômicos (rendição ao sistema bancário e às multinacionais controladoras das sementes e da maléfica transgenia). Logo, a tolerância com as pequenas incoerências pessoais é uma das causas da pouca eficácia do cuidado pela natureza em nosso sistema de crescimento econômico. Pois, contraditoriamente, ninguém se opõe à preservação ambiental. Afinal, trata-se de um empreendimento ganha-ganha para todos, hoje e no futuro. Contudo, que a promovam os outros e que ela não tolha nosso modo de vida e modo de produção.
 
Diante do muito que está sendo feito e dos poucos avanços na preservação ambiental, Jean-Michel Cousteau acrescenta que, quando olha para uma criança, alvo do amor humano e carente de proteção, consegue vencer o desânimo e renovar o compromisso de lutar pela preservação do planeta.
 
Essa motivação “secular” é desenhada de duas maneiras nos textos bíblicos. A primeira, mais conhecida, é a afirmação de que devemos preservar a criação de Deus porque somos parte dela e incumbidos de seu cuidado: ser criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26) significa ser o estandarte do domínio de Deus sobre a terra, representando, anunciando e executando a vontade benfazeja dele. Ao Senhor Deus pertencem o mundo e tudo o que nele existe, inclusive seus habitantes (Sl 24.1). Além disso, a informação de que Deus considerou muito boa toda a sua criação (Gn 1.31) faz lembrar que, na concepção hebraica, “bom” é o que está ligado a Deus, ainda que seja “imperfeito”, ao passo que a concepção grega da “perfeição” do cosmos nos leva à crise diante das deficiências físicas. Qualquer ser humano, por mais falho que seja, pode ser útil na mão de Deus. Embora a criação toda esteja gemendo, e nós com ela, o Espírito de Deus geme com ela e conosco (Rm 8.22-26). Não é bom estar separado de Deus nessa empreitada de cultivar e preservar.
 
A segunda base, menos lembrada, do empenho em favor da preservação, não vem da teologia da criação, mas da experiência da libertação. É a única que transmite a realidade do amor, sempre nas três vias: amor de Deus ao ser humano e à criação, amor do ser humano a Deus, e amor do ser humano ao semelhante e à natureza. Trata-se da interpelação direta de Deus que intervém na história, transformando a criatura humana em sua parceira de diálogo e ação, e revestindo-a de uma dignidade inaudita (cf. Sl 8.4ss). “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te arranquei do contexto da escravidão” (Êx 20.1). É esse amor divino aos e nos humanos que estremece diante de abusos contra seres humanos indefesos como as crianças, que se compadece da frágil biodiversidade e que se deslumbra com a tenacidade da vida. Que lamenta perplexa e criticamente a mercantilização dos patrimônios universais da humanidade: “Nossa água, por dinheiro a bebemos, por preço vem a nossa lenha” (Lm 5.4). E que levanta a voz, defendendo os direitos humanos, quando escravos libertos submetem outros à corveia: edificar um templo a esse Deus libertador mediante trabalhos forçados? (cf. 1Rs 9.15).
 
A intensidade da experiência de Deus na história é indutora da crítica social: Quem vê apenas o problema e não o sistema, não vê o problema. E é indutora da luta em favor de soluções socioambientais dignas e consistentes: Não se resolve a questão ambiental à custa da social, nem a social à custa da ambiental. O social e o ambiental estão interligados. Quem não respeita a terra e o ser humano sobre a terra tampouco respeita o meio ambiente. Assim, desumaniza a si próprio. Portanto, cuidamos do jardim por causa de nós mesmos, de nossa coerência conosco mesmos e com nossa posição de interlocutores amados de Deus (Gn 2.15).
 
A resposta humana a esse amor divino é louvor e reconhecimento: Sim, “os céus são os céus do Senhor, mas a terra, deu-a ele aos filhos dos homens” (Sl 115.16). É também ser pró-ativo, articulando e difundindo modos de vida e de produção com tecnologias sociais e ambientais que respeitem o meio ambiente e a abundância de vida que ela nos propicia, a exemplo da agroecologia, das cisternas no semiárido, dos projetos comunitários de economia solidária. Porém, essa resposta é sobretudo defender os empobrecidos e fragilizados, em consonância com o agir de Jesus. Porque esmagar a cana quebrada e torcer o pavio que fumega não é somente desumano, mas primordialmente antidivino (cf. Is 42.3; Mt 12.20).

Fonte: Revista Ultimato de setembro-outubro de 2009.


• Werner Fuchs é pastor da IECLB, tradutor e coordenador do projeto Mini-Usinas Comunitárias de Óleo Vegetal, da Rede Evangélica Paranaense de Assistência Social (REPAS).

1.5.11

Outro motivo para cuidar da natureza

por Marcio Luiz de Oliveira

Deveriam os cristãos e as igrejas hoje em dia se preocupar e se envolver com questões ecológicas ou temos coisas mais importantes para tratar? Um dos chamados para nos preocuparmos e nos envolvermos partiu do americano Edward O. Wilson, talvez o mais famoso biólogo e ambientalista da atualidade. Em seu livro “A Criação: Como Salvar a Vida na Terra” (Companhia das Letras), ele conclama os cristãos a se unir aos ambientalistas a fim de lutar pela preservação da natureza. Na opinião de Wilson, os cientistas querem fazer isso porque admiram a natureza, que é o objeto de seus estudos, enquanto os cristãos deveriam fazê-lo por acreditarem que a natureza foi criada por Deus.
 
O motivo por trás da maioria dos defensores da natureza é antropocêntrico; falam em preservar porque a humanidade está sendo afetada ou em preservar para as gerações futuras, o que dá no mesmo.
 
Entretanto, nós cristãos deveríamos abraçar essa causa por outro motivo. As Escrituras nos ensinam que a natureza foi o primeiro meio utilizado por Deus para revelar-se aos homens: “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas” (Rm 1. 20).
 
Ao longo da história, muitos foram capazes de perceber algo mais por trás da natureza e expressar isso em forma de prosas e versos. Em 1854, o filósofo e naturalista americano Henry David Thoreau escreveu em um dos mais belos livros que já li, “Walden ou a Vida nos Bosques”: “O vento matutino sopra incessante, e contínuo é o poema da criação, mas poucos são os ouvidos para ouvi-los”.
 
O mesmo sentimento deve ter tomado conta do gaúcho Mário Quintana quando escreveu: “Se as coisas são inatingíveis... ora! Não há motivos para não querê-las... Que triste os caminhos se não fora a mágica presença das estrelas”.
 
O apóstolo Paulo vai mais além e fala daqueles que reconhecem o Criador por trás da criação, mas não querem lhe obedecer, e que tal atitude não é inteligente: “Porquanto, tendo conhecimento de Deus [por meio da revelação da natureza], não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1. 21- 22).
 
Pelo que conhecemos da história, o rei Davi era alguém que reconhecia o Criador por trás da natureza e também procurava lhe obedecer (sendo, portanto, inteligente). Ele, que quando jovem fora pastor de ovelhas e certamente passara muitas noites ao relento admirando o céu, compôs os seguintes versos: “Ó Senhor, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a tua majestade. [...] Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, [pergunto] que é o homem, que dele te lembres E o filho do homem, que o visites?” (Sl 8. 1, 3-4).
 
Em outra ocasião, ele recorre ao tema de forma ainda mais poética: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras; e deles não se ouve nenhum som. No entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol, o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho. Principia numa extremidade dos céus, e até à outra vai o seu percurso; e nada refoge ao seu calor” (Sl 19. 1-6).
 
Assim, se você admira a natureza e, além disso, reconhece e procura obedecer ao Criador, lembre-se que cuidar dela também é um modo de obedecer e de contribuir com seu intento de revelar-se aos homens o que continua acontecendo até hoje.

Fonte: Revista Ultimato de julho-agosto de 2009.


Marcio Luiz de Oliveira, biólogo e doutor em entomologia, é pesquisador e professor de pós-graduação em entomologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. É membro da Igreja Presbiteriana Nova Aliança em Manaus.