19.7.11

Babel de ilusões

por Marina Silva

O mundo assiste mais uma vez a um grave acidente nuclear. As consequências não podem ainda ser mensuradas e estão longe de terminar. Desta vez a crise é nos complexos de Fukushima e Onagawa, no Japão, país que sofreu, em março deste ano, um grande terremoto e um subsequente tsunami. Não podemos, a partir de eventos como esse, deixar de aprender algumas lições.

Os riscos envolvidos no funcionamento das usinas nucleares, no armazenamento dos resíduos radioativos e as consequências da radiação para o meio ambiente e para a saúde das pessoas são desconhecidos da sociedade. Falta transparência, acesso à informação e disseminação de conhecimentos que acerca da atividade. Eisaku Sato, ex-prefeito de Fukushima, disse para um jornal francês que o grande problema da energia nuclear é a falta de controle democrático dos processos de decisão governamental. Algo que ocorre em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Em decorrência do desastre japonês, ficamos sabendo pela imprensa que a usina de Angra 2, por exemplo, em funcionamento desde 2000, não tem licença operacional definitiva até hoje -- um documento certificando que as condições de segurança estão sendo atendidas. Descobrimos que há quatro reatores nucleares, que não são monitorados, instalados em três universidades. Por fim, que dos 470 milhões de reais destinados à manutenção das instalações das usinas de Angra 1 e 2, apenas 35% foram aplicados entre 2003 e 2010.

Sempre fui contra a produção de energia nuclear: uma tecnologia cara e altamente danosa. Até hoje não existe tratamento seguro dos resíduos nucleares, cujos efeitos contaminantes podem durar mais de cinco séculos. Uma herança maldita deixada para as futuras gerações. Em artigo recente afirmei que a questão não está só no mérito da tecnologia nuclear, mas no seu entorno, naquilo que o aprendizado das últimas décadas nos ensinou, ou seja, é mais importante o olhar abrangente, para as cadeias de causas e consequências, do que para um ponto fixo.

Diferente do Japão, o Brasil tem opções energéticas mais eficientes e limpas: energia eólica, hidráulica, solar e de biomassa. Ainda assim, setores do governo defendem a instalação de dezenas de usinas nucleares no país nos próximos 50 anos. Políticas como essa não podem passar ao largo da sociedade. Tenho defendido a realização de um plebiscito, precedido de um amplo e profundo debate, para que as pessoas sejam esclarecidas e possam decidir pela instalação ou não.

Talvez um dos grandes ensinamentos a tirar de toda essa catástrofe seja o da necessidade de nos reconectar com a nossa fragilidade, percebendo como somos dependentes de Deus, uns dos outros e da natureza. Somos seres que, não por acaso, chegamos apenas a ser potentes, cientes e presentes, e essa graça nos basta. A ilusão do controle revela o quão desmesurado é o apego à obra de nossas mãos. Pois cria em nós uma espécie de negação da realidade, num círculo vicioso que nos condena a continuar construindo nossa Babel de ilusões: onipotência, onisciência e onipresença -- e os saltos tecnológicos lhes emprestam contornos de realidade.

Que o sábio e atualíssimo ensinamento paulino em Romanos 12.2, que diz que não devemos nos conformar com este mundo, nos mova a uma renovação do sentir para melhor entender, do entender para melhor pensar, do pensar para melhor agir e do agir para melhor ser.

Vamos iniciar esse debate em nossas comunidades cristãs, em nossos locais de moradia e de trabalho, como pessoas com dupla cidadania, que desejam ardentemente que Deus reine nos céus e também aqui, sobretudo no lugar em que temos mais dificuldade de deixá-lo reinar: nas obras de nossas mãos.

Fonte: Revista Ultimato Maio-Junho de 2011.

Marina Silva é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.

Nenhum comentário:

Postar um comentário