Estamos vivendo um momento importante na história de nosso país. Uma das principais leis de nosso ordenamento jurídico, o Código Florestal, está em discussão no Congresso Nacional.
Este momento enseja a expressão de cosmovisões de todos os envolvidos no debate e é impressionante o que vem à luz. Embora esteja claro em Gênesis 2.15 que o ser humano foi autorizado a lavrar e cuidar do jardim onde foi posto, em geral só se dá ouvidos para o lavrar. É como se fosse uma herança cultural pela metade. Desenvolvemos o domínio sem o cuidado.
Na maior parte do Brasil o mesmo modelo de cultivo da terra vem sendo usado desde o descobrimento. São 500 anos de uma tecnologia muito baixa, que significa a derrubada, a queima e a exploração até que o solo se esgote. Esse modelo tem se agravado devido à contaminação das águas com agrotóxicos e às emissões de gases de efeito estufa.
A remoção de vegetação das encostas, topo de morros e margens de rios é feita sem nenhum senso de proteção. O resultado são rios assoreados, encostas que desabam sobre casas, plantações e estradas, e muitas vidas perdidas a cada ano. Além da alteração no regime das chuvas, pois as florestas têm um papel fundamental no equilíbrio climático.
O Código Florestal não diz respeito apenas às áreas rurais. Há áreas de proteção permanente (APPs) também em regiões urbanas. Ainda temos na memória as cenas de destruição e dor do deslizamento do Morro do Bumba, em Niterói, e da pousada em Angra dos Reis, ou das enchentes em São Paulo, onde as calhas dos rios imprensadas por construções em local inadequado transbordaram e trouxeram tantas perdas para quem já tem tão pouco.
Se o texto aprovado na Câmara, que seguiu para debate no Senado, ficar como está, vai permitir que toda essa situação se agrave muito. O projeto anistia quem desmatou ilegalmente as áreas de florestas que deveriam, pela sua importância ecológica para toda a sociedade, ser preservadas. Beneficia especialmente os grandes produtores, desobrigando-os da recomposição da reserva legal e da APP, e cria condições para que novos desmatamentos possam acontecer e sejam legalizados.
Com isso, todos os esforços feitos pelo poder público e pela sociedade para barrar a destruição de nossos ecossistemas naturais caem por terra. Esse retrocesso está camuflado no texto, em uma redação capciosa, de modo que somente advogados especialistas na questão ambiental conseguem compreender o verdadeiro objetivo da lei, que é isentar o setor rural e outros setores econômicos da obrigação constitucional de preservar o meio ambiente e conservar nossas florestas para as atuais e futuras gerações.
Há parlamentares que não comungam da cosmovisão cristã, no entanto orientaram seu voto pelo princípio de usar com cuidado. Causa estranheza que aqueles que creem no dever de respeitar a terra porque ela pertence a Deus -- como está escrito em Levítico 25.23 -- tenham, com poucas exceções, votado sim a esse texto, que é alinhado com os interesses de setores resistentes a entender que sem a proteção do meio ambiente não haverá futuro para o Brasil.
A Câmara dos Deputados votou essa importante lei sem a dimensão do cuidado, fazendo o país retroagir ao modelo agrícola do século 19, quando tínhamos pouca informação científica sobre o regime das águas, as necessidades do solo, a engenharia das chuvas, os efeitos dos gases poluentes no clima.
Tomara que o tempo de discussão no Senado possa recolocar nosso país no século 21 e que a voz do Senhor seja ouvida na terra.
• Marina Silva é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.
Este momento enseja a expressão de cosmovisões de todos os envolvidos no debate e é impressionante o que vem à luz. Embora esteja claro em Gênesis 2.15 que o ser humano foi autorizado a lavrar e cuidar do jardim onde foi posto, em geral só se dá ouvidos para o lavrar. É como se fosse uma herança cultural pela metade. Desenvolvemos o domínio sem o cuidado.
Na maior parte do Brasil o mesmo modelo de cultivo da terra vem sendo usado desde o descobrimento. São 500 anos de uma tecnologia muito baixa, que significa a derrubada, a queima e a exploração até que o solo se esgote. Esse modelo tem se agravado devido à contaminação das águas com agrotóxicos e às emissões de gases de efeito estufa.
A remoção de vegetação das encostas, topo de morros e margens de rios é feita sem nenhum senso de proteção. O resultado são rios assoreados, encostas que desabam sobre casas, plantações e estradas, e muitas vidas perdidas a cada ano. Além da alteração no regime das chuvas, pois as florestas têm um papel fundamental no equilíbrio climático.
O Código Florestal não diz respeito apenas às áreas rurais. Há áreas de proteção permanente (APPs) também em regiões urbanas. Ainda temos na memória as cenas de destruição e dor do deslizamento do Morro do Bumba, em Niterói, e da pousada em Angra dos Reis, ou das enchentes em São Paulo, onde as calhas dos rios imprensadas por construções em local inadequado transbordaram e trouxeram tantas perdas para quem já tem tão pouco.
Se o texto aprovado na Câmara, que seguiu para debate no Senado, ficar como está, vai permitir que toda essa situação se agrave muito. O projeto anistia quem desmatou ilegalmente as áreas de florestas que deveriam, pela sua importância ecológica para toda a sociedade, ser preservadas. Beneficia especialmente os grandes produtores, desobrigando-os da recomposição da reserva legal e da APP, e cria condições para que novos desmatamentos possam acontecer e sejam legalizados.
Com isso, todos os esforços feitos pelo poder público e pela sociedade para barrar a destruição de nossos ecossistemas naturais caem por terra. Esse retrocesso está camuflado no texto, em uma redação capciosa, de modo que somente advogados especialistas na questão ambiental conseguem compreender o verdadeiro objetivo da lei, que é isentar o setor rural e outros setores econômicos da obrigação constitucional de preservar o meio ambiente e conservar nossas florestas para as atuais e futuras gerações.
Há parlamentares que não comungam da cosmovisão cristã, no entanto orientaram seu voto pelo princípio de usar com cuidado. Causa estranheza que aqueles que creem no dever de respeitar a terra porque ela pertence a Deus -- como está escrito em Levítico 25.23 -- tenham, com poucas exceções, votado sim a esse texto, que é alinhado com os interesses de setores resistentes a entender que sem a proteção do meio ambiente não haverá futuro para o Brasil.
A Câmara dos Deputados votou essa importante lei sem a dimensão do cuidado, fazendo o país retroagir ao modelo agrícola do século 19, quando tínhamos pouca informação científica sobre o regime das águas, as necessidades do solo, a engenharia das chuvas, os efeitos dos gases poluentes no clima.
Tomara que o tempo de discussão no Senado possa recolocar nosso país no século 21 e que a voz do Senhor seja ouvida na terra.
• Marina Silva é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.
Fonte: revista Ultimato julho-agosto de 2011.
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